17 dezembro 2020
“APENAS” TEMAS ORIGINAIS DE SAÚDE, BIOÉTICA E CIDADANIA, SEM “FAKE NEWS” - Isac Jorge Filho
Em dezembro de 2006, portanto muitos anos antes da polarização política que infelicita o País, separando amigos, colegas e familiares, passei a utilizar o concurso da Internet para comunicação por meio de um "blog" que denominei "Saúde, Bioética e Cidadania". A recepção foi morna e limitada a alguns amigos mais próximos, mas o valor dos artigos enviados superou minhas expectativas.
Nunca houve a intenção de manter uma periodicidade, mas ao longo dos anos foram muitos os temas abordados, nunca resvalando pela política partidária. Amigos ou colegas como Sérgio Roxo da Fonseca, Palaveri, Feres Sabino e tantos outros enviaram suas opiniões, sempre em torno das questões bioéticas da saúde ou da cidadania. Alguns já se foram, como o querido e saudoso Ziliotto, mas deixaram seu testemunho de opiniões firmes, calcadas na verdade.
Tempos depois passei a me utilizar do espaço oferecido por grupos de "whatSapp" para me manifestar, sempre deixando de lado a política partidária. Notei, no entanto que muitos usavam tal espaço para divulgar "fake news", sem a mínima noção do prejuízo causado. Sempre apontei tais desvios e continuei com a mesma filosofia de discutir temas bioéticos e de saúde pública. O meu limite de tolerância foi atingido quando manifestações políticas em geral, mesmo não partidárias, foram consideradas manifestações de imaturidade por um colega que sempre respeitei. Que tristeza ler essa manifestação de desencanto partindo de colega médico...É interessante observar que essa manifestação apareceu quando comecei a protestar contra a divulgação de falsidades em um espaço dedicado a discussão salutar de temas de interesse dos brasileiros em geral. Apenas o colega Palaveri escreveu protestando contra uma matéria que conclamava todos a não votar em 13 partidos considerados pelos autores da matéria (quem seriam?) como anti-cristãos. Era um modo sujo de buscar apoio dos cristãos. Lembrava muito a filosofia das cruzadas. Não tenho partido político atualmente. Fui Vereador pelo PSDB e sacretário do Planejamento e Desenvolvimento de Ribeirão Preto e tenho muito orgulho de meu trabalho realizado naqueles anos. Sou cristão, mas tenho noção de que um número grande de pessoas que votam naqueles 13 partidos citados foram atingidos pela inominável agressão. Na verdade a agressão atingia as pessoas. Os partidos são constituídos por pessoas. Milhares de pessoas foram atingidas pela agressão anônima, divulgada por colaboradores que devem achar que como " apenas" "compartilharam" não tem responsabilidade pela verificação da verdade fatual.. Chama atenção a falta de inteligência dos autores daquela notícia ao não perceber que estão pregando para já convertidos, que já apóiam os absurdos ali escritos. Os que não estão de acordo com o que é preconizado naquele folhetim certamente ficarão revoltados contra esses aproveitadores da triste polarização observada em nosso País.
Para mim chega, não tenho mais paciência para conviver com tanto absurdo. Se se preocupar com a verdade e com nosso País é manifestação de imaturidade continuarei imaturo aqui no meu canto. Nele continuo vivo e ativo. Quem quiser participar enviando temas de saúde, bioética e cidadania, será muito bem-vindo, na condição de autor da colaboração, nunca de repassador, sabe-se lá de quem.
29 outubro 2020
A POLITICA QUE DÁ MEDO José Anézio Palavéri
Contágio mais perigoso que o coronavirus.
As maldades cometidas por uma pessoa portadora do vírus da política são perigosas e podem ser mortais.
Do corona você pode se proteger, isolar-se, usar máscara, evitar aglomerações, mas da maldade e da falsidade de alguns políticos você não se livra, porque ela é traiçoeira, perigosa, abusa do poder que tem, não socorre o cidadão no momento em que ele está mais frágil.
Alguns nem se contentam com os poucos milhões de dólares de propina e de vantagens.
O político precisaria estar preparado para proteger os cidadãos, mas ele pensa em seu poder, seus cargos e partidos, suas alianças desde que elas sejam fontes para suas vantagens.
Vejamos o nosso cotidiano, as notícias dos jornais, os comentários de pessoas capazes de entender a realidade e tiremos nossas conclusões.
Não vamos nos enganar com jornais comprometidos. Ouçamos os debates sérios.
Vamos ler alguns cronistas mais sensatos e cuidadosos., discutir com nosso grupo de amigos, analisar as decisões do congresso, da comissões, dos que decidem por nós na calda da noite.
A nave vai e seu destino é ignorado e pode ser trágico.
E as decisões que parecem ser tomadas por crianças ou pessoas maldosas que não olham alguns metros na frente do nariz.
O que fazer? Lamentações podem não resolver, ficar só criticando também pode não dar certo.
Conhecer nossa realidade e nossas necessidades, conversar com os amigos, entre em contato com algum político que você conhece: mostrar nossa insatisfação nas conversas, no que escrevemos, nas reuniões de amigos, nos momentos de preparo dos que precisariam entrar na política para decidirem em favor das maiorias.
Não construirmos um país equilibrado só com boa vontade. Se continuarmos a reclamar e nos omitindo muita coisa não vai mudar e estaremos sempre na mesma ladainha com as mesmas lamentações.
E se formos levados ao desânimo e nos omitirmos ainda mais?
Ter medo e não tomar atitudes poderá ser ainda pior.
E nosso futuro? E nossos filhos? Estão seguindo nossos exemplos ou estão nos surpreendendo com novos estudos, novas atitudes, olhando para o futuro com esperanças de mudanças e de um país melhor, mais equilibrado, governado com mais seriedade e por pessoa mais preparadas e capacitadas?
De Brasília aos municípios, precisamos de mudanças e de gente preparada.
Estamos perto das eleições. Ocasião de se informar, conhecer os mais preparados para governarem os municípis.
Dr. José Anézio Palaveri, médico, escritor, APLACE, 27 de outubro de 2020.
...
21 outubro 2020
INTRODUÇÃO À BIOÉTICA Isac Jorge Filho
APRESENTAÇÃO*
Ouvimos sempre que formação, universitária ou não, de um cidadão depende de um tripé representado por conhecimentos, habilidades e atitudes. Mas, na verdade, ela se inicia no relacionamento familiar e nos cursos fundamentais. São vivências que não se perdem, nunca. Meu interesse pelas coisas da natureza começam em minha Monte Carmelo, pequena cidade de Minas Gerais, influenciado pelo entusiasmo de meu pai com as coisas da terra, em seu quintal onde cuidadosamente plantava tomateiros, abacateiros, laranjeiras, mangueiras, cajueiros e tantas outras plantas. Conhecia tudo sobre elas. Vindo, com 11 anos de idade, do Líbano, não se dedicou ao comércio, como era o habitual entre os imigrantes árabes. Foi plantar fumo, prepara as folhas e produzir os rolos do tabaco. Ainda criança, aprendi com ele alguns segredos da agricultura e dos cuidados com a terra. No Instituto Gammon, de Lavras, esse interesse pelas coisas da natureza se ampliaram. A Escola Superior de Agricultura de Lavras (ESAL), hoje Federal, pertencia ao Gammon e íamos para lá ver os processos de plantação e pegar rãs nos lagos de irrigação da faculdade. Meu interesse pelas coisas que hoje constituem a Bioética começaram ainda nos tempos de universitário pela visão diferente de Medicina e de vida que a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo demonstrava. Ali aprendemos que não havia a doença, havia o doente e que cada um deles era um ser especial. Em uma época em que isso era raro passávamos um período no estágio rural lidando com pessoas simples e doenças simples, mas importantes e prevalentes. Na época a região era endêmica para a Doença de Chagas e por meio do Centro Acadêmico Rocha Lima fazíamos um relevante trabalho de orientação a respeito do combate ao “barbeiro” indo aos bairros de Ribeirão Preto e cidades da Região utilizando um “jeep” cedido pela faculdade. O motorista era o Joaquim, funcionário da USP e esposo da Dona Luiza, que muitos anos depois foi a pessoa abençoada que cuidava de minha casa e de meus filhos enquanto minha esposa, Leila, exercia a Ginecologia e Obstetrícia, ela que havia sido minha caloura na faculdade. Em nossas andanças pela Região tínhamos contato com o povo e a oportunidade de explicar como combater os “barbeiros” e como era a Doença de Chagas. Em troca eles nos ensinavam coisas do campo e da cidade pequena. No segundo ano da Faculdade passei a ser professor do Curso César Lattes, preparatório para os vestibulares. Como nada ocorre por acaso, quis o Grande Arquiteto do Universo que eu fosse ensinar Zoologia, Botânica e Ecologia. Esta última área reforçou meu interesse pelo meio ambiente e na Zoologia passei a conhecer detalhes sobre os ciclos dos parasitas responsáveis por tantas “doenças da miséria”. Passei também a tratar com familiaridade coisas como nicho ecológico, ecossistemas, biomas e tantas mais. Ao mesmo tempo me interessei pela Cirurgia Geral e Gastroenterologia. Estava confuso com essa formação heterodoxa: de um lado a Medicina e do outro a Ecologia. Sempre achei as duas muito importantes e não queria deixá-las. A resposta apareceu com a minha chegada ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo onde, com influência de Marco Segre, Reinaldo Ayer, Regina Parizi e tantos outros, encontrei na Bioética um campo que me permitia utilizar os conhecimentos e trabalhos feitos até então. A Bioética inclui todos aqueles conhecimentos e muitos mais. É fonte inesgotável de conhecimentos. Sendo a Ética uma análise autônoma e crítica de fatos e valores encontramos na Bioética um grande número de polêmicas e reflexões. É disso que trata esse livro: fundamentos da Bioética e reflexões. A amplitude e variedade de assuntos torna difícil e complicada a metodização do trabalho na produção de um livro com um lógico começo, meio e fim. O fato de ser a Bioética área multiprofissional e multidisciplinar aumenta ainda mais essa dificuldade. Da relação de preocupações com a coerência dos textos também faz parte as peculiaridades dos temas bioéticos em cada região, estado ou país. Procuramos não perder de vista todos esses aspectos e tentamos escrever um texto de alcance brasileiro, sem perder de vista o que ocorre nas outras regiões de nossa Biosfera, mas sem a pretensão de produzir um livro completo.
É com imensa satisfação que lançamos este trabalho que pretende mostrar as bases fundamentais de instigantes temas contidos no universo da Bioética. Tomamos o cuidado de incluir temas que levem em conta seu caráter multidisciplinar e multiprofissional, justamente o que torna a Bioética tão interessante já que, em primeira instância, abre e democratiza os debates. Mas não há dúvidas: em seu dia-a-dia no consultório e/ou no hospital o médico é um dos profissionais que mais se deparam com profundos dilemas e reflexões. Quem deve decidir o que significa o bem-estar do paciente? Até aonde ir? Como ser justo? São algumas das questões vinculadas a raciocínios bioéticos, nem sempre percebidos como tal. O que o médico, o enfermeiro, o advogado e o capelão pensam da doação de sangue em testemunhas de Jeová? O que o pesquisador, o político e o juiz de direito pensam da clonagem? Até onde vale a insistência na manutenção de terapias experimentais em pacientes terminais?
Estamos seguros que ao terminar cada capítulo o leitor e a leitora terão mais dúvidas do que quando começaram. E é assim mesmo, já que a Bioética é, por princípio, instigante e polêmica. Cada resposta a um problema leva a novas perguntas...
Que você termine esse livro com mais conhecimento e mais dúvidas que quando começou são os nossos votos!
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* Esta é a apresentação do livro "Bioética: fundamentos e reflexões" - Editor-chefe: Isac Jorge Filho Editora: Atheneu
20 outubro 2020
OS NAVIOS NEGREIROS Sérgio Roxo da Fonseca
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Poetas e pintores não ficaram cansados ao produzir obras, hoje históricas, dirigidas contra a escravidão africana.Essas obras receberam o nome de “Navio Negreiro”.
Quando os portugueses descobriram o mundo para o mundo, no início de suas navegações, acreditavam que a terra era plana, acabando no cabo do Bojador, na África. Ali o mar batia, como bate até hoje, nas pedras do Bojador, erguendo uma forte neblina que impedia ver o que havia além dela.
Nascia o horror filho da falsa crença segundo a qual a terra era plana. Daí concluíam que naquele local o mar despencava no espaço até alcançar o inferno, cuja água atingida pelo calor do belzebu, transformava-se na grossa neblina. Aquele que se atravesse a atravessá-la, caia no beleléu.
O português Gil Eanes, em 1453, sem querer, atravessou a neblina e descobriu que a terra continuava além do Bojador, portanto, que o mar não despencava no inferno. A terra e a vida iam além da neblina.
O poema de Fernando Pessoa “Mar Português” documentou o fato: “Quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor” por isso que“valeu a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”. Com toda a experiência dolorosa dos portugueses,ali encerrada em 1453, ainda há autoridades brasileiras que creem que a terra é plana...
A América foi descoberta em 1492. O Brasil em seguida. Há quem diga que antes disso os portugueses já teriam estado no Canadá. Tanto que até hoje no Canadá há uma área enorme denominada “Labrador”, vocábulo usado pelos portugueses quando lá chegaram em busca de bacalhau.
Os homens viram que a terra era redonda, mas continuaramacreditando que era o sol que passeava ao redor dela. E não o contrário. Como em latim “nascer” é “orire”, o local do suposto nascimento do sol passou a se chamar “oriental". Ao contrário, “morrer” em latim é “occidere”, daí “ocidental” passou a sero nome do ponto no qual o sol todas as noites ia dormir.
Os africanos escravizados acreditavam que a América situava-se debaixo do mar, tanto que, de longe, viam os navios sumindo no horizonte como que mergulhados no mar! Não queriam conhecer o fundo do mar.
Os artistas documentaram aquela época, especialmente quando se dispuseram a lutar contra a escravidão. O poema “Navio Negreiro” de Castro Alves espanta o leitor tanto pela sua beleza como pela sua grandeza.
Rugendas, que visitou o Brasil com a ExpediçãoLangsdorff, então cônsul russo, transformou em quadros suas visões, o que pode ser examinado no Museu Itaú Cultural. A sua obra mais notável é conhecida como “Navio Negreiro” ou “Negros no Fundo do Poço”, foi datada em 1835.
O pintor inglês Turner imortalizou um episódio ocorrido com o navio Zong que navegava da África para a Jamaica em 1793, transportando escravos.
Afirma-se que o comandante do Zong, tendo sido avisado que o seguro contratado pagava mais pela doença dos escravos transportados do que pela sua venda em território americano, manietou cerca de 130 homens, mulheres e crianças, lançando-os ao mar onde foram devorados pelos tubarões.
O quadro “Navio Negreiro” de Turner não registrou apenas uma posição da Inglaterra contra a horrível escravidão, como também inaugurou uma nova forma de lançar cores numa tela. Uma nova forma foi revelada por Turner. O seu extraordinário quadro encontra-se exposto no Museu de Belas Artes de Boston, que assim se transformou no principal centro cultural dos Estados Unidos.Não só pelo “Navio Negreiro" de Turner, mas também por ele.
11 setembro 2020
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E OS GRANDES DESAFIOS ÉTICOS José Marques Filho Reumatologista e Doutor em Bioética.
Apesar das dificuldades
de previsões seguras, em virtude da rapidez da evolução dos processos
tecnológicos, pode-se afirmar com segurança que a Inteligência Artificial (IA)
representa um desafio decisivo para o futuro da humanidade. Pode-se também
afirmar, com boa margem de certeza, que a sua aplicação prática causará forte
impacto, a curto e médio prazo, em todos os setores da vida – no sistema
econômico, na educação, na saúde e nas inter-relações humanas. Tal como
aconteceu na história das grandes revoluções, a IA tem gerado atitudes
ambivalentes, misto de fascínio e medo, de expectativas e, principalmente, de
inquietação.
Na área médica a inquietação tem aumentado dramaticamente,
inclusive com a rápida evolução da chamada Telemedicina. Recentemente todos
ficamos chocados devido à grande repercussão na mídia de notícia com o título –
Câncer de mama: inteligência artificial supera o médico no diagnóstico. O estudo
publicado na conceituada revista Nature envolveu pesquisadores da Google Health
e do Imperial College London. A informação teve como base a análise de exames de
imagem de cerca de 29000 mulheres. Na pesquisa, um modelo de Inteligência
Artificial recebeu exames de mamografias sem identificação das pacientes e sem
história clínica. Comparando-se o resultado com aqueles obtidos por seis
radiologistas, que conheciam dados da história clínica dos pacientes, ocorreu
superioridade dos diagnósticos da IA, com a redução tanto de resultados falsos
positivos quanto falso negativos.
Uma reflexão que não pode deixar de ser feita:
Seremos nós, médicos, num futuro próximo, reduzidos a apenas “explicadores” de
resultados de exames e da conduta sugerida pela “máquina” para melhor
entendimento dos pacientes? A lista de efeitos positivos muito relevantes para a
humanidade é indiscutível como por exemplo o aumento da capacidade cognitivas em
virtude de grande e disponíveis quantidade de dados e informações importantes
através de algorítmicos, permitindo analisar (e, solucionar) problemas cada vez
mais complexos. Por outro lado, não podemos olvidar os enormes potenciais
efeitos negativos, como por exemplo – a drástica redução de postos de trabalho,
o crescimento das desigualdades sociais e no campo da defesa militar, a perigosa
produção de sistemas de armas completamente autônomas, os chamados Killer Robts.
Mas os grandes desafios éticos desbordam da área da saúde e atingem contornos
épicos para o futuro da humanidade. Um dos aspectos mais inquietante da IA é a
chamada mutação antropológica, que coloca em pauta o próprio futuro do gênero
humano. Questões importantes que causam verdadeira inquietação entre os
cientistas são, entre outras: que evolução nos espera? Qual o destino para a
espécie humana? A IA poderá evoluir até se auto-humanizar?
Nunca foi tão atual a
teoria dos trans-humanistas – termo cunhado em 1957 por Julien Huxley e, hoje,
uma das correntes da Bioética. Filosofia que parece ter forte e atual relação
com a “suprema esperança” referida por Nietzshe, a de alcançar a superação da
humanidade, graças ao nascimento de “uma nova e bela espécie” de seres humanos
superiores. Mas tal mutação não pode ser atribuída apenas à robótica, mas também
às biotecnologias através, por exemplo, de manipulações genéticas. Essa
realidade enfatiza os preceitos inscritos na “Carta dos trans-humanistas
Italianos”: “Graças às biotecnologias e a engenharia genética, às
nanotecnologias e a robótica, à inteligência artificial e às neurociências,
romperemos os nossos vínculos biológicos-evolucionistas, emancipando-se do
envelhecimento, das doenças, da pobreza e da ignorância”. O professor Yoshua
Bengio da Universidade de Montreal lidera um esforço para produzir um código de
conduta internacional para uso ético de inteligência artificial. O professor foi
o responsável pela organização de diversos eventos para discussão e reflexão de
aspectos éticos da IA. A “Declaração de Montreal” foi o resultado desses eventos
com ampla participação de cientistas e profissionais das áreas de humanidades. O
processo levou cerca de um ano e definiu dez princípios que visam a orientar as
organizações no desenvolvimento da IA. Os referidos princípios são os seguintes,
sem ordem de prioridade: princípio do bem-estar, do respeito à autonomia das
pessoas, da privacidade e intimidade individual, da solidariedade (e manutenção
de vínculos), da participação democrática (com ampla participação das pessoas),
da igualdade (sociedade mais justa e menos desigual), da inclusão e diversidade,
da prudência, da responsabilidade e do desenvolvimento sustentável.
Stephen
Hawking beneficiou-se da IA, nos últimos anos de vida para se comunicar, apesar
de sua grave doença. Mas, o famoso cientista sempre manifestou seu temor pelos
perigos representados pela IA para o futuro da humanidade. A “Declaração de
Montreal” é uma forte e bem vinda esperança que os aspectos éticos da IA merecem
uma profunda e continuada reflexão por todos aqueles que se preocupam com a
sobrevivência digna do homem em nosso planeta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Inteligência Artificial e pós-humanismo
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/581458-inteligencia-artificial-e-pos-humanismo-artigo-de-giannino-piana
(acessado em 16/01/2020).
Fukuyama F. Nosso futuro pós-humano. Tradução de Maria
Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2003
09 setembro 2020
O COMANDO DAS MÁQUINAS José Anézio Palaveri APLACE
O COMANDO DAS MÁQUINAS
"Colocar humanidade em nossas vidas".
Éramos os senhores do mundo. Será que não perdemos lideranças, poderes, espaços, capacidades para dar rumos a um mundo da maneira que desejamos?
Entramos no ritmo das máquinas. É perigoso. Elas são de ferro, poderosas, motores resistentes, possantes, empurram toneladas sem se cansarem.
Elas nos comandam e roubam nosso precioso tempo.
Como você se relaciona com seu celular? Ele facilita sua vida ou rouba seu tempo com os contatos inesperados, imprevisíveis em momentos importantes de sua vida em que você deixa de fazer o que está fazendo?
E as televisões cuja programação comanda nosso ritmo de vida?
O telefone toca. Insiste, você precisa atender se não quiser irritar-se com o persistência da chamada. E se você não atender ficará preocupado. Quem será que ligou? Seria algo importante, alguém doente? O mau uso dele prejudica seu bolso e seus ouvidos...
Suas conversa particulares, seus contatos, são interrompidos, a qualquer hora. As chamadas, os barulhos, interrompem nossas vidas.
Depois eu ligo! Estou cuidando de meu nenê, amamentando meu filho! Seria algo importante? E a cabeça fica cheia de preocupações...
‘ De novo? Estou rezando...
Estou concentrado, ouvindo as lamentações de uma pessoa conhecida e a campainha toca. Toca, toca, insiste. Preciso interromper o diálogo para não ficar surdo.
O médico atencioso, concentrado, ouvindo as lamentações do paciente...Doutor, telefone! E a concentração se quebra... O paciente estava se desabafando e foi interrompido...
Um distração atrás da outra...
E as reflexões? Muito barulho atrapalha. Até as buzinas dos carros nas ruas incomodam conversas importantes.
As máquinas fazem quase tudo. Podem facilitar nossas vidas, nossas viagens... Não podemos ser escravos delas. Elas precisam facilitar nossas vidas e serem usadas com planejamento, quando quisermos, nos momentos necessários.
Vamos sofisticando nossas vidas e precisando cada vez mais de recursos para automatizar nossos comportamentos. E deixamos de fazer tantas coisas que serviriam até para melhorar nossos movimentos, nossa força e ativar nossas articulações.
Muitas atividades do homem de outros tempos serviam até como ações que foram substituídas por sessões de fisioterapia ou aulas de ginástica que fazemos em nossas casas.
Se vivermos equilibradamente as máquinas poderão facilitar nossas vidas e serem nossas companheiras. Muitas fazem mil coisas que nem saberíamos fazer, mas precisam estar sob nossa responsabilidade e comando.
Elas poderão ser nossos apoios para serviços mais pesados ou delicados de grande porte. Não precisamos viver sem elas. Podemos usá-las racionalmente.
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Dr. José Anézio Palaveri, médico, escritor, APLACE, setembro de 2020.
O CIRURGIÃO E SUA FORMAÇÃO NOS DIAS DE HOJE - Gaspar de Jesus Lopes Filho - unifesp
Vivemos hoje uma sociedade bastante diferente daquela de nossos
pais e avós e mesmo dos tempos de nossa própria vida acadêmica.
Mudou o perfil do médico e do cirurgião que acabou de vivenciar uma
experiência como aluno em um momento em que o aumento exponencial
do conhecimento médico torna inviável sob qualquer ponto de vista a
aquisição e assimilação cognitiva e as habilidades específicas a serem
adquiridas em apenas seis anos de curso letivo, levando à necessidade
cada vez mais premente de se estender o curso médico através de
programas de residência médica cada vez mais prolongados (Camargo &
Leme, 2011).
É importante ressaltar que esta geração procura também, e de
maneira legítima, uma melhor qualidade de vida, uma carga horária que
lhe permita uma conciliação com a sua vida privada, com níveis de tensão
menores, com menos “burn out”, com menos alcoolismo, com menos
drogaditos, com maior reconhecimento profissional, com remuneração
digna, com melhores condições de trabalho e com menos chances, se
tudo isso estiver presente, de incorrer em um erro médico, que pode
destruir a sua vida profissional, o seu patrimônio e, até, a sua vida pessoal.
No Brasil, um jovem cirurgião geral será provavelmente o único cirurgião
de plantão em muitos hospitais e unidades de saúde, mesmo nas grandes
cidades, e resta claro que o tempo atual de formação é insuficiente –
quatorze meses, se descontarmos dos 24 meses os dois meses de férias e
os oito meses de rodízios - e não permite que este jovem assuma sozinho
esse nível de responsabilidade (Santos, 2009)
Um terceiro aspecto, não menos importante, é que todo paciente,
tanto das grandes cidades como do interior do País, merece e tem o
direito de ser tratado por um cirurgião adequadamente treinado (Welch &
Allen, 2008). Merece e tem o direito ao cuidado, ao respeito e à interação
com ele e com os seus familiares, ao respeito aos seus valores e às suas
crenças e, também, à prática dos conceitos fundamentais da ética médica
em toda a sua abrangência.
Para fazer frente a todos esses desafios, o cirurgião precisa manter
como foco de sua atenção central o paciente e suas necessidades. Além
de todo um longo período de formação, fundamental para a aquisição e o
desenvolvimento de suas habilidades técnicas específicas, este
profissional precisa aprender a desenvolver intensamente as chamadas
habilidades não técnicas, cognitivas e interpessoais: liderança,
comunicação, trabalho em equipe, consciência situacional, gerenciamento
do stress e da fadiga, entre outras (Barroso, 2017).
E, finalmente e tão importante quanto, precisa aprender a manter
uma relação médico-paciente ética e dinâmica, ajudando o paciente e
seus familiares nas decisões a serem tomadas para a investigação da
doença e nas situações que envolvam a terminalidade da vida. Precisa
aprender a respeitar a privacidade e autonomia do paciente, observando
todos os preceitos da ética médica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Camargo OP, Leme LEG. Oito anos de graduação em Medicina. Diagn
Tratamento 2011;16(3):123-4.
2. Santos EG. Residência médica em cirurgia geral no Brasil – muito
distante da realidade professional. Rev Col Bras Cir 2009;36(3):271-6.
3. Welch C, Allen C. Surgical precision. Arch Surg 2008;143(11):1040-1.
4. Barroso E. Formação em cirurgia - competências técnicas e não
técnicas. Rev Port Cir 2017;41:5-6.
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