13 setembro 2014

O MÉDICO COMO CORRETOR
                                                                                            ISAC JORGE FILHO 

          Está cada vez mais difícil ser médico neste País. Não bastassem as péssimas condições de trabalho a que muitos são submetidos, a remuneração aviltante, imposta à maioria dos colegas, a falsa e perigosa noção de “profissão liberal” que querem nos impingir, que de liberal tem apenas a falta das vantagens sociais do emprego, o que propicia a exploração por parte dos intermediários da prestação de serviços médicos, de uns tempos para cá surge uma nova forma de explorar o trabalho do médico, agora como corretor ou propagandista de diferentes tipos de empresas. O pior é que isto é feito de maneira dissimulada, querendo fazer crer ao colega de que ele está participando de um belo serviço social em benefício dos mais carentes. E o colega embarca na conversa, não percebendo que está sendo usado. É assim com os chamados “cartões de desconto” em que o médico acaba trabalhando por valores mais baixos sob o argumento de que isso lhe trará mais pacientes e o argumento hipocritamente “social” de que está beneficiando pacientes que, de outra forma, não teriam acesso às consultas. Laboratórios de medicamentos usam médicos como corretores de seus produtos ao deixarem nos consultórios impressos com orientações dietéticas ou de outros tipos, acompanhadas do nome do produto correlato ou de propaganda da empresa. Pior ainda é quando deixam selos ou bônus de descontos que, se forem apresentados em determinadas farmácias, permitirão desconto no preço do medicamento. O colega, mais uma vez embarca na jogada, não percebendo que está sendo usado como corretor do laboratório e da farmácia, não pensando que, se é possível dar o desconto, porque não dar a todos, mas apenas aos que levarem o bônus. Não percebe que está sendo usado para um
procedimento que nada mais é do que o da concorrência comercial. 
Ao perceber a ingenuidade do médico em se prestar ao trabalho de corretor empresas de outras áreas resolveram também fazer uso do mesmo expediente. Acabo de receber consulta de colega com relação a um documento enviado para médicos propondo que intermediem a indicação da empresa para pacientes que queiram fazer financiamentos para tratamentos ou operações. Como vantagem informam que o paciente poderá parcelar seus pagamentos à empresa e o médico receberá à vista, sem nenhum desconto. Tanta “bondade” emociona. Mas, porque colocar o médico como intermediário? Se a "benemérita" empresa, que pensa altruisticamente nos pacientes que não podem arcar com as despesas médicas, quer fazer sua benemerência que trate diretamente com os pacientes por meio da propaganda de seus financiamentos e não utilizando o médico "credenciado" como propagandista, e, portanto, interagindo com a empresa comercial. 

Veja, nesta frase, extraída da mesma proposta citada acima, como se "compra" um médico: "Outros benefícios poderão ser negociados, dependendo do volume de pacientes/clientes INDICADOS PARA CONTRATAÇÃO DE FINANCIAMENTOS " Ou seja, viramos corretores de empresas de financiamento. 
O pior de tudo é que esta proposta girou pela Internet a partir da reação indignada de um colega que recebeu várias manifestações de apoio, mas algumas achando que não há nada demais, já que vai facilitar a vida de alguns pacientes e beneficiar o médico, se esquecendo do artigo 9º no Código de ética Médica: " A Medicina não pode, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, ser exercida como comércio". 
         Nesse ritmo, se não nos indignarmos e reagirmos, logo teremos uma disputa comercial entre os “times” de médicos ligados a diferentes empresas, ou contratados por elas, lutando pela conquista do “mercado”, já que “mercado” é aquilo em que muitos querem transformar a milenar e linda ciência/arte que é a Medicina. 


30 agosto 2014

ANEGLITOS NEGROS - SÉRGIO ROXO DA FONSECA - Cidadania

ANGELITOS NEGROS

Sérgio Roxo da Fonseca

Na década de cinquenta a música “Angelitos Negros” fez muito sucesso no Brasil. Era cantada em espanhol. Exortava os artistas a pintarem anjos negros, ainda que a Virgem Maria seja branca. No Brasil é venerada uma virgem negra, a Nossa Senhora de Aparecida. Ainda assim o argumento prevalece, não percebemos anjos negros em nossas igrejas.
O poema lembra que os negros também vão ao céu, não apenas os brancos, daí resultando a necessidade de se pintar anjos negros.
O tema vem à memória em razão do conflito racial ocorrido nos Estados Unidos, palco da morte de um rapaz acusado de ter furtado alguns cigarros. Diz o noticiário que levou seis tiros do policial. Com certeza não vai ser o último episódio de um filme muito antigo no qual os índios e negros sempre figuraram como bandidos perigosos para os brancos.
Mas há um contra-argumento. O presidente norte-americano é negro. Há alguns anos atrás, o principal chefe militar daquele país era mulato. Os restaurantes de lá recebem cada vez mais pessoas denominadas “de cor”.
Muito embora o Brasil proclame ser um exemplo de convivência racial, o mesmo aqui não ocorre. Já tivemos um mulato na Presidência da República, mesmo assim para cumprir um mandato tampão. Mas negro, não.
Dificilmente encontramos negros exercendo profissões universitárias. Assim médico, engenheiro, juízes, promotores, diplomatas, invariavelmente são brancos.
Fenômeno semelhante se passa em nossos restaurantes nos quais raramente se percebe a presença de negros. O contrário ocorre, com certeza, em nossas prisões. Há uma discriminação silenciosa no Brasil muito maior do que nos Estados Unidos.
O contraste entre o panorama norte-americano e o brasileiro, exige que se faça uma avaliação do que ocorre em nosso país. Falta muito trabalho para que se possa dizer que somos um exemplo de convivência racial. Precisamos pintar anjos negros em nossas igrejas, retirando-os das grades de nossas prisões. 

27 agosto 2014

CABEÇAS DE ALUGUEL: O FUNDO DO POÇO

CABEÇAS DE ALUGUEL: O FUNDO DO POÇO

ISAC JORGE FILHO *

                        Recentemente a mídia divulgou um dos fatos mais tristes e desalentadores dos últimos tempos. Passou quase desapercebido e, por isso mesmo, é preciso que se grite a indignação que toma conta de todos os que leram com atenção ou ouviram com ouvidos de quem quer ouvir, entender e se manifestar, e que se analise as causas e as conseqüências desse violento crime cometido contra a sociedade, a ética e a eqüidade neste País.
                        Quando jovens se prostituem, o sentimento de tristeza é imenso. Quando esses jovens estão entre os melhores alunos de universidades brasileiras e, portanto, representam a esperança maior de um Brasil mais justo e honesto, a sensação é de que se chegou ao fundo do poço. Afinal é na juventude, e especialmente na Universidade, que se concentram os mais ricos sentimentos de idealismo e de justiça.
                        A Polícia Federal, em operação chamada “vaga certa”, prendeu sete pessoas suspeitas de vender vagas em universidades públicas e privadas em pelo menos cinco estados brasileiros (Ceará, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Paraná) ao preço que variava de 25 a 70 mil reais. Até aí não é novidade. Já sabíamos, e lamentávamos, da existência de compra de questões de provas e de resultados finais. A novidade é que o processo,  agora descoberto, era realizado, há alguns anos, com a participação de “pilotos”: universitários qualificados entre os melhores alunos, que recebiam de 5 a 6 mil reais para fazer provas em nome de outros, usando carteiras de identificadas falsificadas. O pagamento (ou cachê?) variava de acordo com o conceito e importância da Faculdade
                        A participação de jovens vendendo seu conhecimento para fazer vestibular em nome de outros foi o fato mais marcante da operação “vaga certa”.
Era de se esperar uma reação enorme por parte da mídia e da sociedade com a revelação de fato tão grave. Não houve. Parece que as pessoas estão anestesiadas e que os conceitos de ética, moral e justiça se tornaram absolutamente abstratos, ou modificando um pouco o que lamentou certa vez o saudoso Mário Covas: “Vivemos um tempo em que ser ético é sinônimo de ser ingênuo”. É tempo dos “espertos”. A lei de Gerson já foi superada pela lei de Zéca Pagodinho que, publicamente se dirigiu ao Ministro Temporão, que fizera um apelo no sentido de que artistas não se prestassem a vender sua imagem para estimular o uso de bebidas alcoólicas, e respondeu grosseiramente, dentro de sua “ética” particular, que o Ministro cuidasse das máquinas estragadas das unidades de saúde e o deixasse ganhar seu dinheirinho. É isso aí. E ainda tem quem ache que Ética é coisa só para Médicos.
                        Deixando a gravíssima transgressão ética vale analisar algumas conseqüências do vestibular feito pelas “cabeças de aluguel”. Quem pode pagar o preço cobrado pela vaga certa? Não estaria havendo com isso maior distorção social nas oportunidades para cursos universitários? Há quanto tempo isso ocorre? Quantos profissionais estão exercendo suas atividades sem sequer terem prestado exames para ingresso nas faculdades? Não é realmente necessária uma avaliação externa do produto de nossas faculdades antes que iniciem o exercício profissional? Alguém vai dizer que ao longo do curso essas pessoas passarão por provas e, se não forem capazes, não terminarão sairão das faculdades. Seria assim se as universidades reprovassem com o rigor necessário. Como regra, poucas vezes isso parece acontecer e, quando ocorre, entra em ação uma nova figura na formação universitária: o reprovado entra na justiça para anular sua reprovação e freqüentemente consegue. O pior, geralmente são os pais que entram com os recursos contra a reprovação do “filhinho injustiçado”. Tudo isso sem contar a secular figura da “cola” que leva a aprovação de muitos incapazes. 
Já é antiga uma piada que falava de uma faculdade na qual era tão fácil ingressar que acabava aprovando também o motorista do ônibus que levava os candidatos. Hoje não é mais piada, não é o motorista do ônibus e não são só as faculdades fáceis. Com o uso das “cabeças de aluguel”, verdadeiros semi-analfabetos , portadores de certificado de conclusão do secundário, podem ingressar faculdades e, com recursos desonestos ou mandados de segurança, podem terminar seus cursos. 
                        Quem perde?
                        Os alunos capacitados perdem suas vagas e a comunidade perde bons profissionais. Mas, quem mais perde é o País que, com a revelação das prostituídas “cabeças de aluguel”, vê a Ética e a Esperança caminharem para o fundo do poço.
Que Deus nos proteja! 
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* Médico, Doutor em Cirurgia e Ex-Coordenador da Comissão de Pesquisa e Ensino Médico do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.

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23 julho 2014

DISCURSO PROFERIDO PELO SENADOR CRISTOVAM BUARQUE NO PLENÁRIO DO SENADO FEDERAL EM 9/7/14 : Cidadania

Desculpe, David Luiz
*Cristovam Buarque

O Brasil é um País privilegiado. Sabemos do privilégio na natureza e nas características do povo, mas tem um privilégio na história: o fato de que não termos traumas que outros países têm nas suas histórias. Nunca perdemos uma guerra, nem nos nos rendemos. A Alemanha sofreu duas derrotas e rendições em um mesmo século. A França que foi invadida e ocupada durante quatro anos pelo exército alemão. Os Estados Unidos tiveram uma traumática guerra civil e presidentes assassinados. Nossos traumas se resumem ao suicídio de um presidente, e perda da Copa do Mundo para o Uruguai, no último minuto, 64 anos atrás.

Agora, neste 8 de julho de 2014, ficamos com a sensação de um grande trauma nacional por causa da desastrosa derrota por 7 a 1 que nossa seleção sofreu diante da Alemanha.
Porsermos o país do futebol, por termos este esporte entrando na alma 
de nosso povo, e por sermos atualmente bons, os melhores historicamente, 
nós temos a razão de sentirmos o trauma com a derrota da seleção ontem. O
que surpreende é como não temos outros traumas.

Por exemplo, estamos profundamente abatidos no Brasil inteiro porque 
perdemos de 7 a 1 para a Alemanha, mas jamais nos lembramos de que a 
Alemanha teve 103 Prêmios Nobel e nós nenhum.

Com toda a tristeza que sinto pelo fato de termos sido derrotados, e 
com um escore tão grande, do ponto de vista do interesse nacional, do ponto 
de vista das consequências para o futuro, é muito mais grave para o futuro do 
País o fato de estarmos perdendo para a Alemanha de 103 a zero, no 
campeonato de Prêmio Nobel.

Nós não nos traumatizamos, no dia 14 de março de 2013, quando foi 
divulgado o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, que nos 
deixou em 85º lugar, entre 106 países analisados. Entre estes países estão 
alguns dos mais pobres do mundo, os 106 ficamos em 85º – quase lanterninha 
–, e não nos traumatizamos. E nós nos traumatizamos por sermos o quarto 
ou até o terceiro em futebol, dependendo do resultado do jogo no próximo 
sábado. O mundo inteiro disputou para ter seus times na COPA. Foram 
selecionados 31 e nós fomos disputar com eles. Apenas 32 foram selecionados 
como os melhores. Aos poucos foram sendo eliminados. O nosso chegou ao 
último estágio, que são os quatro finalistas. Não chegamos à finalíssima, mas 
chegamos à anterior. Na pior das hipóteses, sairemos dessa Copa como a 
quarta melhor seleção de futebol do mundo. E o Brasil está de luto, num 
sofrimento que dói na gente, sobretudo quando vemos as crianças que 
choraram no estádio e nas ruas pela derrota que elas não esperavam.

Mas não nos traumatizamos no dia 3 de dezembro de 2013, quando foi 
divulgada a classificação do Brasil na educação, entre 65 países, e ficamos em 58º. Uma avaliação que analisa 65 países, feita pela Organização para a 
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, da Europa, deixa-nos em 58º,
entre 65 e não houve nenhum trauma naquele 4 de dezembro, dia seguinte à 
divulgação do resultado. Este campeonato que não gerou qualquer tristeza, 
mas suas consequências para o Brasil são muito mais trágicas, do que o 
resultado do jogo contra a Alemanha.

Nós não tivemos o menor constrangimento, o menor trauma, a menor 
tristeza, quando, no dia 1º de março de 2011, a Unesco divulgou a sua 
classificação da educação para 128 países, e nos colocou em 88º. Ou seja, um 
dos piores.E, quando falamos em 128 países, estamos incluindo os mais pobres do 
mundo, não nos comportamos apenas com países da elite educacional, não 
foram apenas os BRICS, nem apenas os emergentes. 

Temos toda a razão emocional de estarmos tristes por termos sido excluídos da finalíssima decisão de quem será o campeão deste ano. Temos toda a razão de estarmos tristes, 
porque ainda não foi este ano que ganhamos o hexa, mas também precisamos 
ficar tristes com as outras nossas classificações: na educação, na saúde publica, 
na violência, no quadro social. Todo o direito à tristeza, mas não esqueçamos as outras razões para sofrer também, até porque são essas outras razões de sofrimento que nos 
levariam a superar os nossos problemas e construir um futuro que nos vem 
sendo negado há séculos.

Precisamos ver, nessa derrota,  como o jogador David Luiz no final do 
jogo, quando ainda dentro do campo, pela televisão, chorando, disse o 
seguinte: “Desculpa, por não ter feito vocês felizes nesta hora”. Veja a que 
grandeza: ele não disse que estava triste por não ser campeão do mundo. 
Estava triste por não ter feito a nós, os brasileiros, felizes nessa hora. E 
continuou “Mas aqui tem um cidadão disposto a ajudar a todos”, Ou seja, a 
derrota foi de um jogo, não foi a derrota de uma história. E continua: “Eu só queria dar alegria para o meu povo que sofre tanto por tanta coisa”. Esse sentimento vindo dele confesso que me surpreendeu, quando ele lembra: “queria dar uma alegria para esse povo que sofre tanto por tanta coisa”. E ele diz: “Queria pedir desculpa”, “só queria fazer meu povo sorrir pelo menos no 
futebol”.

Veja que sentimento esse rapaz teve. Sair daquela derrota chorando e lembrar-se do povo, lembrar-se do sofrimento do povo e lembrar-se, como ele diz, de o povo sorrir, pelo menos no futebol. “Porque já sofre tanto por tanta coisa”. 

O sofrimento não fica restrito ao futebol mas é o sofrimento do futebol que traumatiza. Os demais são tolerados, ignorados, por serem banalizados. Por isso não damos tanta importância aos demais sofrimentos e não fazemos o dever de casa para consertar o resto e ganhar outras copas. Não estamos jogando para sermos campeões mundiais na educação, para sermos campeões mundiais no saneamento, para sermos campeões mundiais, por exemplo, na paz das cidades. Embora fracassada, fazemos o dever de casa, para sermos competitivos no futebol, mas não estamos fazendo o dever de casa para o Brasil ser melhor, mais eficiente, mais justo, e não percebemos este fracasso. Por isso não sofremos, diante dos males banalizados. Sofremos porque o Brasil não é campeão mundial de futebol este ano – já foi cinco vezes –, mas não sofremos porque não estamos fazendo um Brasil melhor.

Quando vi o David Luiz pedindo desculpas, pensei: quem devia estar ali pedindo desculpas éramos nós os Senadores, os Deputados, os Ministros, os Governadores, a Presidente da República, porque somos nós que estamos em campo para fazer um Brasil melhor. Nós somos a seleção brasileira da política para a definição dos rumos do País. E nem ao menos lembramos que o papel do político é eliminar os entulhos que dificultam o caminho das pessoas à busca de sua felicidade pessoal.

Eles estavam em campo para fazer o Brasil campeão. Nós estamos em campo para fazer um Brasil melhor e não estamos conseguindo chegar nem ao quarto, nem ao décimo, nem ao vigésimo, nem ao quinquagésimo lugar. Estamos chegando ao octogésimo quinto no Índice de Desenvolvimento Humano, octogésimo oitavo na educação. Estamos perdendo de 103 a zero em Prêmio Nobel para a Alemanha.

O mais importante para o futuro do País não é o campeonato de futebol, embora esse toque mais na alma da gente, o maior campeonato que estamos perdendo são as condições sociais, as possibilidades de eficiência na economia, a educação, segurança, a saúde, a corrupção. Esses são os campeonatos que devem fazer com que nós brasileiros trabalhemos para superar.

O David Luís deu todo o seu esforço e nos colocou primeiro entre as seleções selecionadas para a Copa, porque muitas ficaram de fora; depois nos fez passar para oitava, para quarta e agora estamos nas finais, e apesar disso ele nos pede desculpas, “por não ter feito o povo sorrir, pelo menos no futebol” – como ele disse – pelo menos no futebol, mas não basta só o futebol. Pelo menos no futebol porque essa é a tarefa dele, mas aqui, nesta casa no congresso não basta o futebol.

Sofri ontem como qualquer brasileiro, mas eu quero agradecer aos jogadores que nos colocaram nessa posição.

Quero agradecer, ao David Luiz, quando ele nos deu esta lição: “Eu só queria fazer meu povo sorrir pelo menos no futebol.” Você não conseguiu, David Luiz, fazer o povo sorrir plenamente no futebol, mas você conseguiu nos despertar para o fato de que nós não estamos conseguindo fazer o povo sorrir pelas outras coisas das quais eu sou um dos responsáveis.

Por isso, desculpa, David Luiz.


Cristovam Buarque, Professor da UnB e Senador pelo PDT-DF.

22 julho 2014

NÃO, AO COMPLEXO DE VIRA-LATA : Cidadania, Saúde.

NÃO, AO COMPLEXO DE VIRA-LATA

                                                                                  ISAC JORGE FILHO


            Nelson Rodrigues falava, a propósito do “maracanazo”, que o brasileiro tinha um “complexo de vira-lata”. Seria um complexo de inferioridade, considerando sempre que o que se fazia ou produzia aqui era pior que o produzido ou feito no exterior. Todos já ouvimos expressões de louvor ao que é produzido lá fora e críticas mordazes aos produtos brasileiros. “Não dá para ir hoje ao cinema, o filme é brasileiro”... “O complexo vitamínico X é excelente. Eu trouxe dos Estados Unidos”. E por aí vamos... No futebol as vitórias em cinco copas mundiais afastaram o complexo de vira-latas, talvez tenham até trazido o complexo inverso, o de superioridade. A derrota acachapante  por 7X1 contra a Alemanha jogou por terra essa pretensa superioridade e o risco é que voltemos ao complexo de vira-lata, o que seria lamentável pois temos muito do que orgulhar em nosso País. A própria Copa mostrou aspectos positivos reconhecidos em todo o mundo. Se jogadores e Comissão Técnica, que recebem salários milionários e vivem, na sua maioria, no Exterior, não foram capazes de mostrar no campo o futebol que esperávamos, isso não diminui a grandeza do País em muitos aspectos, apesar do esforço de maus políticos e maus brasileiros em puxar no sentido contrário. Por coincidência, no mesmo dia do vexame futebolístico, conheci em Brasília o Hospital Sarah Kubitschek e fiquei admirado com a estrutura e o trabalho ali realizados. O Sarah, fundado por Dr. Aloysio Campos da Paz, é reconhecido internacionalmente como um dos maiores centros de reabilitação no mundo inteiro. Sua estrutura, foi projetada pelo arquiteto carioca  João Filgueiras Lima, o Lelé, parceiro de Oscar Niemeyer. Lelé, que nos deixou recentemente, aos 82 anos, se consagrou internacionalmente não só por seu trabalho em Brasília e pelo uso pioneiro de componentes pré-fabricados. Na área da saúde deixou um legado pela ênfase nas preocupações sociais  e no bem-estar dos pacientes em seus projetos de construção  de hospitais. Até idéias da medicina arabesca da Idade Média foram apanhadas por Lelé. O primeiro hospital a ser construído foi o grande Hospital de Bagdá, com preocupações na ventilação, iluminação e áreas de lazer. No Sarah estas preocupações são claramente percebidas. A vegetação bem planejada, as amplas e confortáveis áreas de circulação e os cuidados com a circulação de ar tornam o ambiente fresco, claro e alegre. Conheci Lelé na Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto. Fiquei admirado com sua palestra e com seu livro: “Arquitetura: uma Experiência na Área da Saúde”, destaque do Prêmio Jabuti. As preocupações sociais e humanísticas de Lelé eram as mesmas de Aloysio Campos da Paz, o fundador do hospital, daí o ambiente diferente dos hospitais comuns que encontramos no Sarah. Cada funcionário contratado pelo hospital passa por um período de adaptação e aprendizado em relações humanas que pode chegar a oito meses.  Tudo isso torna o Sarah um hospital especial. Futebol nada mais é que um esporte, como tantos outros.  Seria muito bom se tivéssemos ganho a Copa, mas,  importante mesmo é ter coisas mais relevantes para nos orgulhar. O Sarah é uma delas. Craques importantes temos muitos, alguns ainda vivos, como Campos da Paz; outros,  como Lelé,  já se foram, mas deixaram motivos mais que suficientes para que não tenhamos mais  o “complexo de vira-lata”.

04 julho 2014

Cidadania: A bíblia de português - Sérgio Roxo da Fonseca

A BÍBLIA DE PORTUGUÊS

                                                                                     Sérgio Roxo da Fonseca

            Li na imprensa que estava sendo lançada uma bíblia de português. A frase, como se vê, tem mais de um sentido. Vejamos alguns deles: 1) a bíblia é de um português; 2) está é a bíblia escrita por um português; 3) está é a bíblia que está sendo vendida por um português. Mas, com certeza, há outros sentidos.
            Na antiguidade os sábios discutiram o teor da frase pronunciada pelo anjo que recebeu as santas senhoras em sua visita ao túmulo de Cristo. O texto examinado continha duas negativas. Teria dito o anjo: “não, Ele não está aqui”. Se a frase estivesse escrita em latim, uma língua lógica, as duas negativas seriam eliminadas, de sorte que a afirmação teria o sentido de “Ele está aqui”. Um “não” mata o outro.
            Em português não é assim. As duas negativas reforçaria a negação: “não, Ele não está aqui”. Ou seja, com certeza ele ressuscitou.
            Os nossos os computadores, que são máquinas tautológicas, são mais latinos do que portugueses. Para eles, duas negativas representam uma afirmação. Menos com menos dá mais.
            São infindáveis as dificuldades encontradas em todas as línguas, muito especialmente em português. Há tempos uma pessoa escreveu uma monumental bíblia para servir de aldabra para abrir as portas do entendimento da nossa língua. Ou seja, da nossa compreensão.
            Refiro-me ao livro “Gramática da Língua Portuguesa Padrão”, resultado de uma extraordinária pesquisa desenvolvida pela festejada professora Amini Bounain Hauy.
            Todos nós vivemos retratando o que vemos por meio de palavras. Quase sempre montamos nossos pensamentos manejando essas mesmas palavras. A extensão do meu mundo é do tamanho da extensão das minhas palavras.
            Nossos cumprimentos dirigidos ‘a pessoa da professora Amini Bounain Hauy, que, cumprindo um dever bíblico, deu água aos sedentos e vestiu os nus, iluminando os caminhos da nossa vida com as luzes sagradas da língua portuguesa. Com certeza, escreveu um bíblia para o português.
           


03 julho 2014

A ditadura da moda: Saúde e Cidadania.

A DITADURA DA MODA E SEUS EFEITOS SOBRE A SAÚDE

 

 

ISAC JORGE FILHO


                                    Ainda está em nossas mentes a divulgação pela mídia da morte de uma jovem modelo como conseqüência de inanição. Era apenas a ponta de um “iceberg”. A busca de mais informações a respeito do assunto, em todo o mundo ocidental, nos levou ao conhecimento de um sem número de complicações e muitas mortes decorrentes da desnutrição de jovens vítimas da “ditadura da moda”, que exige modelos cada vez mais magras. Algumas fotos de modelos  muitas vezes lembram as imagens de  jovens africanas desnutridas, nos tristes episódios de desnutrição em massa, por falta de alimentos, como o que assolou Biafra.
                                    O tema intrigou a Câmara Técnica de Nutrologia do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, formada por médicos que trabalham com distúrbios da nutrição e que levantaram, em reunião especial, na capital paulista, os seguintes tópicos preocupantes:
 
·         As divulgações, pela mídia, de mortes de jovens brasileiras, vítimas de inanição em nome de uma lamentável “indústria da moda e da beleza”.
·         O estímulo, ainda que velado e indireto, de alguns agentes publicitários, algumas empresas que divulgam a moda e “fabricam” as “modelos” ou, ainda, certas instituições de ensino de danças artísticas que cultuam baixo peso como condição.
·         Crianças ou jovens adolescentes em plena fase de crescimento e desenvolvimento, necessitando adequadas ofertas de nutrientes, se submetem ou são submetidas a violentas restrições dietéticas.
·         Por desinformação, muitas famílias estimulam ou apóiam tais restrições dietéticas.
·         A ditadura da moda tem concorrido fortemente para a má orientação alimentar, sendo as crianças com estrutura corporal “fora da moda magra” ridicularizadas em escolas, clubes sociais e, por vezes até dentro da constelação familiar.
·         A Organização Mundial de Saúde considera como parâmetro de qualidade de saúde as pessoas com Índice de Massa Corporal acima de 18,5 Kg/m2 , entendendo como abaixo do peso e portanto sujeito aos riscos da desnutrição valores mais baixos.
·         O processo de desnutrição é altamente lesivo para o organismo, dificultando a formação óssea, o desenvolvimento hormonal e intelectual e propiciando o aparecimento de várias doenças, principalmente as infecciosas, devido a baixa atividade imunológica.

·         Algumas modelos tem IMC entre 14 e 16 Kg/m2 , tendo recentemente falecido modelo com Índice de 13 !


            Por tudo isso, a Espanha já assumiu a dianteira quanto a providências produzindo legislação que proíbe que jovens com índices de massa mais baixos que os preconizados sejam aceitas em empresas de modas e de danças artísticas. Busca, com isso, cortar o caminho que leva a doenças e mortes por inanição crianças e adolescentes que buscam fama e sucesso. A Câmara Técnica de Nutrologia do Cremesp apelou para as autoridades responsáveis pela Saúde Pública brasileira no sentido de que defina e aplique normas rigorosas que busquem coibir, nos diferentes setores envolvidos, a perversa “ditadura da moda e da beleza” que tem levado à doenças carenciais e até a morte crianças e adolescentes em nosso País. Adicionalmente colocou-se à disposição para colaborar no estabelecimento destas normas e providências a serem aplicadas.
 


A PROLETARIZAÇÃO DA MEDICINA - Sérgio Roxo da Fonseca - Saúde, Cidadania

A PROLETARIZAÇÃO DA MEDICINA

                        Sérgio Roxo da Fonseca

            A proletarização profissional contrasta com a ideia da liberalização. O vocábulo tem raiz na antiguidade da nossa civilização que, então, correspondia às pessoas que tinham acesso ao direito de ter filhos, ou prole, como queiram, não podendo, reversamente, ter acesso à propriedade de bens.
            Com a primeira Revolução Industrial passou a ter um significado mais preciso, mas não longe do originário. Proletário passou a ser o contrário de empregador.
            No sentido oposto estava e ainda está a ideia segundo a qual o exercício de algumas profissões, peculiares que são, não podem ou não devem sofrer as injunções próprias do contrato de trabalho, tais como a medicina, a advocacia e a engenharia. Passaram a ser reconhecidas pela expressão “profissionais liberais”, cujos atos devem ser apreciados segundo a ética própria do seu titular.
            A medicina, no entanto, tem sofrido profunda alteração no seu exercício. Afirma-se que a transformação é resultado das necessidades de grandes investimentos na técnica do seu exercício, o que impediria a prática solitária ou individual.
            Realmente, a partir da segunda metade do século XX os médicos aos poucos vão se afastando do exercício liberal, sendo absorvidos por empregadores públicos e privados.
            É bem verdade que teoricamente afirma-se que, mesmo assim, o sistema reserva para cada um deles o juízo ético do exercício dos seus atos profissionais. Porém fica muito difícil afirmar que esta liberdade possa se opor aos interesses corporativos de seus empregadores  públicos ou privados.
            Se a constatação é verdadeira, forçoso admitir que o juízo ético da profissão da medicina está em forçada alteração, caminhando-se para o que hoje conhecemos pelo nome de proletarização. Indaga-se se esta preocupação é verdadeira ou falsa? Se verdadeira ou falsa qual é o sentido do exercício dos atos médicos nos nossos dias? E no futuro?


21 junho 2014

Cidadania/ Política Internacional/ Drones/ Sérgio Roxo da Fonseca

DRONE

                                                                                          Sérgio Roxo da Fonseca


            Walter Benjamin foi um filósofo judeu nascido na Alemanha. Afirma-se que, supondo ser preso pelos nazistas, preferiu matar-se. Com certeza deixou uma obra extraordinária.
            Ao refletir sobre a guerra, destacou que sobre ela, como sobre tudo, seria um equívoco pesquisar sua essência examinando-a sobre a ótica daqueles que sabiam apenas que a guerra era a guerra. Ninguém pode conhecer a guerra discutindo apenas a guerra. Nada é apenas a sua essência.
            Observa que, no seu tempo, os soldados eram preparados para matarem-se uns aos outros em busca da vitória de sua Pátria. Em verdade, até o final da II Guerra Mundial, o Direito Internacional proibia, como crime de guerra, atacar alvos civis. Nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram as únicas bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, revogando definitivamente aquela proibição. É relevante registrar que outras nações, em menor proporção já haviam cometido o mesmo pecado, é claro, sem aquele incomensurável tamanho.
            Walter Benjamin, com certeza, estava prevendo que no futuro as guerras não seriam resolvidas apenas pelos soldados. Possivelmente a guerra de guerrilhas, na qual o guerrilheiro se confunde com a população civil, seria o resultado do choque entre forças aparentemente desprovidas de uniforme ou de rosto.
            Tomando-se como data o final da II Guerra Mundial, a tecnologia passou a revelar cada vez mais armas tendo como alvo a população civil, mantendo o soldado como operador de aparelhos, muitas vezes, distante do campo da batalha.
            O mais novo equipamento chama-se drone que, ao que parece, significa zangão em inglês. Tive oportunidade de conhecer um drone na semana passada, na cidade de Campos do Jordão, na inauguração de um shopping.
            Aos serem inauguradas as portas, o locutor revelou que um drone, voava vagarosamente sobre os presentes. Filmando tudo.  Todos olharam para o céu e lá realmente estava um aparelho, cheio de luzes, com cerca de um metro da frente aos fundos. Insisto em dizer, voando baixo e vagarosamente. É escusado dizer que, pelo pequeno tamanho, o operador não se encontrava no seu interior, provavelmente num lugar perdido na distância.
            Entramos no corredor do shopping. Nós e o drone. O artefato passou a voar baixo, bem baixo, bem devagar, dobrando os corredores como se dispusesse de mil olhos. Incrível. De agora em diante, os seguranças poderão ser substituídos por um aparelho voador e não tripulado. E na guerra? Na guerra como na guerra, diziam os sábios. Os países árabes estão conhecendo a nova descoberta.

              

13 junho 2014

Luiz Gaetani, Roberto Minczuck, Feres Sabino : Cidadania

O homenageado que homenageou
Feres Sabino*
Se a gratidão é a memória da alma, não foi só a regência da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto,  na celebração de seus noventa anos de vida, que  revelou  o humanismo do maestro Roberto  Minczuck cuja fala sempre o coloca no seio de  sua família e  filhos.   Protagonista, foi homenageado.
Ele narra o seu lugar no mundo, como se fosse um viajante cósmico, que passasse para aprender, ensinar e seduzir  pela musicalidade,  que encontrou o fluxo de sua sementeira, na terra de tantas fronteiras, tantas culturas, tantas línguas. O som coletivo de sua regência, sob a qual homens e mulheres  se dedicam com humildade, emoção, capacidade  e disciplina,  esparrama-se, como um plantio divino, que a mais antiga arte sabe trabalhar, sem limite de tempo e lugar.
 Estava  ali, naquele palco a leveza de sua  “coreografia”  de braços longos e mãos movediças, desenhando no ar as notas e o compasso de tantos instrumentos. A forte  expressão corporal revela o  domínio pleno  da arte amadurecida,  que tem a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto, como concausa de seu mérito, num tempo inicial de seu trabalho disciplinado.   Nesse período conheceu dr. Luiz Gaetani, que o tratou como filho, apoiando-o –-- di-lo assim – incondicionalmente, apoiando-o em todos os aspectos, e englobando  nesse carinho  sua própria e toda família. Como um pai para seu filho.
Foi homenageado e veio para homenagear.
Foi  homenageado, pois a marca digital de sua carreira está em muitas lembranças materializadas, tal como a reinauguração do Teatro Pedro II, por exemplo, ou o depósito continuado de esperança na juventude  com o seu – “A Juventude tem Concerto”- , que o tempo se encarregou de esticar, na repetição, que nunca acabou, nem acabará.
Homenageou a orquestra e os amigos dela, a cidade hospitaleira,  que o acolheu,  quando estava , há pouco, na  caminhada de artista da arte de reger uma Orquestra Sinfônica.
Mas, o ponto alto de sua visita teve poucas testemunhas. Uma delas, num fiapo de conversa, comentou o acontecido em três horas de visita ao inesquecível e dedicado  dr. Luiz Gaetani.  Ele se encontra recolhido, em uma casa de repouso,  onde  ou descansa  em algum sonho definitivo de sua vida, ou remove na mente inerte a lembrança  dos  benefícios que trouxe à cidade de seu coração, ou, quem sabe, retorna à realidade, como um meteoro, para rever ,  assim rapidamente,  a Orquestra que foi o culto de sua dedicação e trabalho, por  anos e anos a fio, como seu Presidente,  de 1976 a 2000.
Roberto    Minczuck   aprofunda e revela a essência do seu ser, nessa visita   ao homem que nele acreditou, e  que tanto o prestigiou. Ele ficou  sentado ali, por três horas, de mãos dadas, conversando com seu monólogo, desejando que o amigo o compreendesse, ou que  desse a ele, ao menos,  a ilusão de uma só resposta, ou a ilusão de um só gesto, de um sorriso  quiçá,  forçando esquecer aquele olhar vidrado às vezes,  esperando, com ânsia contida, que conseguisse medir o sentido da sua presença fraterna , a gratidão aprisionada pelo não-sentir, nem ouvir, nem o não-responder do amigo doente.
O silencio foi umedecido pelas lágrimas do Maestro vitorioso.

Foi assim que o homenageado homenageou.

12 junho 2014

Bioética: cuidados paliativos e tanatologia.

REFLEXÕES SOBRE CUIDADOS PALIATIVOS E TANATOLOGIA
“A visão holística do ser humano nos cuidados paliativos busca cuidar quando já não é mais possível curar”
Isac Jorge Filho*
“E somos Severinos,
iguais em tudo na vida.
Morremos de morte igual, 
da mesma morte Severina,
que é a morte de que se morre 
de velhice antes dos trinta, 
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia.”
Em “Morte e Vida Severina” João Cabral de Mello Neto consegue, com os versos acima, definir a morte intolerável, a morte que não se pode aceitar, seja ela pela violência do trânsito, do crime ou da guerra, seja por fome ou outros problemas sócio-econômicos que acabam por constituir a chamada mistanásia, no dizer de Márcio Fabri dos Anjos. A cada 3,6 segundos morre uma pessoa de fome em nosso planeta. São 24 mil por dia, na maioria crianças desnutridas. São 820 milhões de famintos no mundo, apesar de se produzir uma quantidade de alimentos que daria para suprir todas as necessidades. Jacques Diouf, diretor da Food and Agriculture Organization (FAO), declarou que o combate à fome no mundo foi um fracasso coletivo.  A morte como consequência da fome é simplesmente inaceitável! Cada médico, cada cidadão,  deve levantar sua voz, manifestar sua indignação e fazer o que lhe for possível para que tais mortes não ocorram.
Diferente disso é a morte natural, a ortotanásia, que é parte do ciclo de vida, como bem definiu, poeticamente, Tagore em “Pássaros errantes”:
“A morte pertence à vida,
como pertence o nascimento.
O caminhar tanto está 
em levantar o pé
como em pousá-lo ao chão.”
Na cultura ocidental há uma grande resistência em se aceitar e até mesmo refletir sobre a morte. Quando se trata de médicos, a resistência tem o agravante de que, até inconscientemente, cada morte acaba sendo sentida como uma derrota na luta pela vida e pela saúde. No entanto, como diz um velho adágio: “a única coisa que, com certeza, se pode prever para o futuro é a morte”. Essa resistência em aceitar a morte natural acaba levando os médicos a determinar medidas fúteis de manutenção da vida, que nada trazem de positivo para o paciente, para seus familiares e para a comunidade. Essa insistência em não aceitar a morte natural, em luta inútil contra o fechamento do ciclo natural da vida, constitui a distanásia e, sob alguns aspectos, representa um desejo inconsciente de deificação de cada um. São muitos exemplos de manifestações contra a distanásia. Uma das mais emblemáticas foi a resolução do Papa João Paulo II, que, após prolongado sofrimento determinado por doença degenerativa incurável, em fase terminal, se recusou a voltar para o hospital, ficando em seus aposentos sem aceitar procedimentos fúteis para prolongamento da vida. As últimas palavras que pronunciou foram: “deixem-me partir para o Senhor”.
Os dias atuais assistem a uma luta contra o que se chamou de eutanásia, que seria a morte piedosa. O abreviar do ciclo da vida, de um modo geral, envolve os mesmos enganos encontrados em seu adiamento artificial por meio de medidas fúteis e inúteis de manutenção de uma vida sem qualidade. Na eutanásia, a ação ou omissão deliberada no sentido de apressar a morte, mesmo que bem intencionada e piedosa, tem sido objeto de amplas discussões e questionamentos.Eutanásia, em tese geral, e distanásia são os dois lados da mesma moeda, mas tratados de forma diametralmente oposta. Enquanto a distanásia encontra apoios e estímulos, a eutanásia é considerada crime pela Constituição e é vedada pelo Código de Ética Médica. Padre Léo Pessini, notável estudioso brasileiro sobre o assunto, nota “um silêncio bibliográfico em relação à distanásia e muita literatura sobre a eutanásia”, e considera um equívoco nomear qualquer interrupção de tratamento como sendo eutanásia.
O que se propõe no caso de paciente em terminalidade de vida: aliviar seu sofrimento induzindo morte piedosa (eutanásia) ou manter apenas os seus sinais vitais, com uso de meios agressivos, mas inúteis, mesmo que não haja prognóstico?
Aqui, entra o conceito de ortotanásia, o deixar morrer naturalmente, sem intervenções agressivas e inúteis, mas cercando o paciente de cuidados especiais que lhe permitam um morrer digno e sem sofrimento. A resposta à pergunta acima é encontrada nos chamado “cuidados paliativos”, definidos pela Organização Mundial de Saúde, em 2002, como sendo “a abordagem que promove qualidade de vida de pacientes e seus familiares diante de doenças que ameaçam a continuidade da vida, através de prevenção e alívio do sofrimento. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento impecável da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual”. É atividade multiprofissional que exige intenso trabalho de profissionais ligados à área da saúde, incluindo assistência espiritual. A visão holística do ser humano nos cuidados paliativos busca “cuidar” quando já não é mais possível “curar”. A Medicina Paliativa é atividade que cresce no mundo todo, já se constituindo especialidade reconhecida na Inglaterra desde 1987, e não se restringe aos casos de terminalidade da vida, sendo utilizada em outras situações.
A filosofia do cuidar, dos cuidados paliativos ao paciente terminal, está bem evidenciada nas palavras de Cicely Saunders:
“Ao cuidar de você no momento final da vida,
quero que você sinta que me importo pelo fato de você ser você,
que me importo até o último momento de sua vida e,
faremos tudo que estiver ao nosso alcance,
não somente para ajudá-lo a morrer em paz,
mas também para você viver até o dia de sua morte.”
Infelizmente, existe confusão em alguns setores com relação à ortotanásia, confundindo-a com a eutanásia em seu sentido criminal e considerando atitude passível de processo a restrição de recursos artificiais, por mais inúteis que sabidamente sejam. Pressionado por esse ponto de vista, o médico acaba por insistir em medidas fúteis, mesmo que elas não tragam benefícios para o paciente e seus familiares. A indicação de início e de suspensão de medidas médicas deveria ser de decisão médica. Mas, quem vai tomá-la equilibradamente sem segurança de que, mesmo fazendo o correto, não será punido por isso? E fica aí um círculo vicioso que mantém medidas sem valor prático, na esperança de milagres. O Conselho Federal de Medicina, por meio de resolução, procurou regulamentar o assunto. Buscou com isso dar ao médico segurança e tranquilidade para, diante de pacientes em terminalidade de vida, sem prognóstico e sem esperança, se abster das medidas fúteis, sempre após discussão e acordo com paciente (se for possível) e familiares. Foi um grande avanço, infelizmente derrubado pela visão equivocada de que essa atitude configuraria eutanásia e, portanto seria criminosa. Nenhum médico de boa formação teria a irresponsabilidade de suspender medidas realmente úteis, mas nenhum médico deseja que seu comportamento correto em termos científicos e humanísticos seja considerado um crime. Há necessidade de uma legislação clara que procure analisar estas situações de forma isenta, tendo como medida a dignidade do ser humano.

* Isac Jorge Filho é Doutor em Cirurgia, Ex-Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e Coordenador do Departamento de Bioética e História da Medicina do Centro Médico de Ribeirão Preto.

02 junho 2014

SAÚDE BUCAL / SERVIÇO PÚBLICO ODONTOLÓGICO

Ato pela valorização do serviço público odontológico e em defesa da saúde bucal no SUS

                                                           GILSON CARVALHO * 



Os cirurgiões-dentistas e os Profissionais técnicos e auxiliares da Odontologia que atuam no âmbito público no Estado de São Paulo, vinculados às três esferas de Governo (União, Estado e Municípios) INFORMAM que no dia 05 de junho de 2014, acontecerá ATO PÚBLICO denominado: “DIA ESTADUAL PELA VALORIZAÇÃO DO SERVIÇO PUBLICO ODONTOLÓGICO e DEFESA DA SAÚDE BUCAL NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS”.
O Ato Público tem como objetivo apontar questões relevantes das políticas de saúde bucal e ausência das mesmas no Estado de São Paulo e seus municípios, de responsabilidade da União, Estado e Municípios, que inviabilizam o acesso universal, integral e equânime da população à saúde pública, garantia constitucional e dever do Estado. As ações de saúde bucal devem buscar a melhoria da qualidade dos serviços públicos, com eficácia, eficiência e efetividade dos programas de saúde bucal, cujo foco é o cidadão.
Além das ações que fragilizam o SUS, como é o caso dos subfinanciamentos e a visão de saúde como mera mercadoria, há violenta desvalorização dos profissionais que prestam assistência odontológica no serviço público.
Cirurgiões-Dentistas (CD), Técnicos em Saúde Bucal (TSB), Técnicos em Prótese Dentária (TPD) e Auxiliares em Saúde Bucal (ASB) realizam suas atividades, muitas vezes, em condições precárias para garantir atendimento digno e de qualidade à população.
Além disso, a inexistência de plano de carreira aos cirurgiões-dentistas e demais profissionais da saúde bucal e o disparate estabelecido entre a remuneração dos médicos e dos cirurgiões-dentistas, configuram evidente aviltamento, desrespeito e desvalorização profissional. Assim como o médico, o cirurgião-dentista é profissional da área da saúde que realiza atividades de alta complexidade, com similaridades quanto ao diagnóstico, prescrição medicamentosa e tratamento, sendo os dois únicos profissionais competentes legalmente para realizar diagnóstico e emitir prescrição, o que justifica tratamento igualitário em todos os âmbitos.
O protesto reunirá profissionais da Odontologia que atuam nas redes municipal e estadual, bem como aqueles que prestam assistência odontológica através do Programa de Valorização Profissional da Atenção Básica (PROVAB), com o objetivo de alcançar os seguintes pleitos:
ü  A Odontologia deve ser valorizada como uma área integrante do campo da Saúde e seus profissionais são protagonistas destas atividades;
ü  O Estado, nos diferentes níveis de governo e âmbitos de poder, deve superar o subdimensionamento atual da rede assistencial, a fim de assegurar à população serviços públicos odontológicos bem estruturados, tanto os da administração direta e indireta, quanto os da rede particular conveniada no âmbito do SUS, com profissionais adequadamente remunerados, visando à provisão de cuidados odontológicos de qualidade e o exercício da saúde bucal como um direito humano universal;
ü  O Estado Brasileiro deve cumprir com as garantias constantes na Constituição Federal, ordenando a formação de recursos humanos e garantindo às entidades odontológicas a participação na definição destas políticas;
ü  Concessão de melhores condições para o exercício da Odontologia no Sistema Único de Saúde, com garantia de materiais, equipamentos e pessoal necessários ao atendimento digno e de qualidade à população no âmbito do Estado e das Municipalidades;
ü  Criação do Plano de Cargos, Carreira e Salários para os Cirurgiões-Dentistas e demais profissionais da Odontologia, com reavaliação das tabelas de remuneração salarial dos municípios, do Estado e da União, com restabelecimento da equiparação salarial do cirurgião-dentista com os médicos e a valorização das profissões;
ü  Equiparação da bolsa concedida aos cirurgiões-dentistas no PROVAB atingindo o mesmo valor e benefícios concedidos aos médicos;
ü  Criação do Cargo de Especialista em Saúde – Cirurgião-Dentista, no município de São Paulo.



O autor adota a política do copyleft em seus textos disponíveis no site:  www.idisa.org.br
"Quando a circunstância é boa, devemos desfrutá-la; quando não é favorável devemos transforma-la e quando não pode ser transformada, devemos transformar a nós mesmos."
Victor Frankl - Psicólogo e prisioneiro de Auschwitz

15 maio 2014

Crônica da aldeia global


                  Racionais, irracionais

                                                                                                      JOSÉ ANÉZIO PALAVERI*

Mostrar a banana é fácil. Difícil mesmo é mudar a cabeça cheia de preconceitos e vícios.
                     E Camus pode me ajudar quando afirma que a obsessão em ter razão é a marca suprema de uma inteligência grosseira.
                    E as guerras, pessoais, nacionais ou internacionais não param e assustam nosso cotidiano.
                            Reclamo do transporte, pouco ônibus circulando e os que reclamam comigo, em seu desespero ou descontrole, colocam fogo em quase 30 ônibus por dia. Colaborando para melhorar uma realidade fazendo gestos e ações que a pioram imediatamente?
                        Insensatez ou loucura? Descontrole emocional ou um plano para piorar situações e provocar mais revoltas e sofrimentos, provar que o governo é ruim, que tem gente melhor que poderia mudar o país e nos dar conforto e segurança?
                           O país e o mundo não vão bem. Eventos de custos mirabolantes são planejados para distrair e dar pão e circo para muitos, que reclamam, reclamam, mas enchem as arenas, os shoppings, as praias, as estradas, mesmo sabendo das agruras das viagens, dos congestionamentos, da falta de dinheiro no fim do mês, do medo de não conseguir pagar o aluguel e outros encargos mais.
                       Temos inteligência, somos preparados para saber pensar antes de decidir uma situação, dizem que somos racionais, privilegiados por nossa evolução e pelos nossos neurônios, mas muitas vezes não acionamos nossa inteligência, nosso bom senso, nossa capacidade de pensar, para decidir nosso cotidiano e nosso futuro.
                         Irracionais agem sem pensar, são os animais que consideramos menos desenvolvidos, mas eles não tramam, agem instintivamente para sua sobrevivência, defendem-se, mas não planejam seus ataques, suas agressões, para destruir suas presas como são capazes os seres humanos, que se dizem racionais, tramando para a destruição dos opositores, caluniando e criando situações perigosas para a convivência, num clima de desrespeito aos valores da dignidade de cada um.
                        Agredir, matar por qualquer quantidade de dinheiro, matar exagerando na velocidade, sem saber ser responsável,  guiando bebendo, e adoidado pelas drogas e agindo como se nem tivessem neurônios para pensar e decidir e depois ficar nos gabando que somos os reis dos animais, somos mais aptos que eles para dominar o mundo!
                    Convivemos tramando, nossos interesses acima de tudo, primeiro eu e depois eu também, e o clima que criamos é o clima de guerra.
                   Não nos faltam bons exemplos, pessoas que fizeram a diferença no mundo com suas mensagens e pregações, e exemplos. Que amaram e deram a vida por muitos, que dedicam seu cotidiano para a paz, para o serviço, para o bem. Estas poderiam ser imitadas, seus exemplos poderiam ser mostrados em nossas escolas, em nossas casas.
                   Alguém precisa continuar anunciando. É possível amar, o mundo não está perdido, existem saídas honrosas e amorosas, e solidárias para a humanidade.