11 setembro 2020

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E OS GRANDES DESAFIOS ÉTICOS José Marques Filho Reumatologista e Doutor em Bioética.

             Apesar das dificuldades de previsões seguras, em virtude da rapidez da evolução dos processos tecnológicos, pode-se afirmar com segurança que a Inteligência Artificial (IA) representa um desafio decisivo para o futuro da humanidade. Pode-se também afirmar, com boa margem de certeza, que a sua aplicação prática causará forte impacto, a curto e médio prazo, em todos os setores da vida – no sistema econômico, na educação, na saúde e nas inter-relações humanas. Tal como aconteceu na história das grandes revoluções, a IA tem gerado atitudes ambivalentes, misto de fascínio e medo, de expectativas e, principalmente, de inquietação. 
            Na área médica a inquietação tem aumentado dramaticamente, inclusive com a rápida evolução da chamada Telemedicina. Recentemente todos ficamos chocados devido à grande repercussão na mídia de notícia com o título – Câncer de mama: inteligência artificial supera o médico no diagnóstico. O estudo publicado na conceituada revista Nature envolveu pesquisadores da Google Health e do Imperial College London. A informação teve como base a análise de exames de imagem de cerca de 29000 mulheres. Na pesquisa, um modelo de Inteligência Artificial recebeu exames de mamografias sem identificação das pacientes e sem história clínica. Comparando-se o resultado com aqueles obtidos por seis radiologistas, que conheciam dados da história clínica dos pacientes, ocorreu superioridade dos diagnósticos da IA, com a redução tanto de resultados falsos positivos quanto falso negativos. 
            Uma reflexão que não pode deixar de ser feita: Seremos nós, médicos, num futuro próximo, reduzidos a apenas “explicadores” de resultados de exames e da conduta sugerida pela “máquina” para melhor entendimento dos pacientes? A lista de efeitos positivos muito relevantes para a humanidade é indiscutível como por exemplo o aumento da capacidade cognitivas em virtude de grande e disponíveis quantidade de dados e informações importantes através de algorítmicos, permitindo analisar (e, solucionar) problemas cada vez mais complexos. Por outro lado, não podemos olvidar os enormes potenciais efeitos negativos, como por exemplo – a drástica redução de postos de trabalho, o crescimento das desigualdades sociais e no campo da defesa militar, a perigosa produção de sistemas de armas completamente autônomas, os chamados Killer Robts. Mas os grandes desafios éticos desbordam da área da saúde e atingem contornos épicos para o futuro da humanidade. Um dos aspectos mais inquietante da IA é a chamada mutação antropológica, que coloca em pauta o próprio futuro do gênero humano. Questões importantes que causam verdadeira inquietação entre os cientistas são, entre outras: que evolução nos espera? Qual o destino para a espécie humana? A IA poderá evoluir até se auto-humanizar? 
            Nunca foi tão atual a teoria dos trans-humanistas – termo cunhado em 1957 por Julien Huxley e, hoje, uma das correntes da Bioética. Filosofia que parece ter forte e atual relação com a “suprema esperança” referida por Nietzshe, a de alcançar a superação da humanidade, graças ao nascimento de “uma nova e bela espécie” de seres humanos superiores. Mas tal mutação não pode ser atribuída apenas à robótica, mas também às biotecnologias através, por exemplo, de manipulações genéticas. Essa realidade enfatiza os preceitos inscritos na “Carta dos trans-humanistas Italianos”: “Graças às biotecnologias e a engenharia genética, às nanotecnologias e a robótica, à inteligência artificial e às neurociências, romperemos os nossos vínculos biológicos-evolucionistas, emancipando-se do envelhecimento, das doenças, da pobreza e da ignorância”. O professor Yoshua Bengio da Universidade de Montreal lidera um esforço para produzir um código de conduta internacional para uso ético de inteligência artificial. O professor foi o responsável pela organização de diversos eventos para discussão e reflexão de aspectos éticos da IA. A “Declaração de Montreal” foi o resultado desses eventos com ampla participação de cientistas e profissionais das áreas de humanidades. O processo levou cerca de um ano e definiu dez princípios que visam a orientar as organizações no desenvolvimento da IA. Os referidos princípios são os seguintes, sem ordem de prioridade: princípio do bem-estar, do respeito à autonomia das pessoas, da privacidade e intimidade individual, da solidariedade (e manutenção de vínculos), da participação democrática (com ampla participação das pessoas), da igualdade (sociedade mais justa e menos desigual), da inclusão e diversidade, da prudência, da responsabilidade e do desenvolvimento sustentável. 
            Stephen Hawking beneficiou-se da IA, nos últimos anos de vida para se comunicar, apesar de sua grave doença. Mas, o famoso cientista sempre manifestou seu temor pelos perigos representados pela IA para o futuro da humanidade. A “Declaração de Montreal” é uma forte e bem vinda esperança que os aspectos éticos da IA merecem uma profunda e continuada reflexão por todos aqueles que se preocupam com a sobrevivência digna do homem em nosso planeta.

                                             REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
        Inteligência Artificial e pós-humanismo http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/581458-inteligencia-artificial-e-pos-humanismo-artigo-de-giannino-piana (acessado em 16/01/2020).
        Fukuyama F. Nosso futuro pós-humano. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2003

09 setembro 2020

O COMANDO DAS MÁQUINAS José Anézio Palaveri APLACE

O COMANDO DAS MÁQUINAS "Colocar humanidade em nossas vidas". Éramos os senhores do mundo. Será que não perdemos lideranças, poderes, espaços, capacidades para dar rumos a um mundo da maneira que desejamos? Entramos no ritmo das máquinas. É perigoso. Elas são de ferro, poderosas, motores resistentes, possantes, empurram toneladas sem se cansarem. Elas nos comandam e roubam nosso precioso tempo. Como você se relaciona com seu celular? Ele facilita sua vida ou rouba seu tempo com os contatos inesperados, imprevisíveis em momentos importantes de sua vida em que você deixa de fazer o que está fazendo? E as televisões cuja programação comanda nosso ritmo de vida? O telefone toca. Insiste, você precisa atender se não quiser irritar-se com o persistência da chamada. E se você não atender ficará preocupado. Quem será que ligou? Seria algo importante, alguém doente? O mau uso dele prejudica seu bolso e seus ouvidos... Suas conversa particulares, seus contatos, são interrompidos, a qualquer hora. As chamadas, os barulhos, interrompem nossas vidas. Depois eu ligo! Estou cuidando de meu nenê, amamentando meu filho! Seria algo importante? E a cabeça fica cheia de preocupações... ‘ De novo? Estou rezando... Estou concentrado, ouvindo as lamentações de uma pessoa conhecida e a campainha toca. Toca, toca, insiste. Preciso interromper o diálogo para não ficar surdo. O médico atencioso, concentrado, ouvindo as lamentações do paciente...Doutor, telefone! E a concentração se quebra... O paciente estava se desabafando e foi interrompido... Um distração atrás da outra... E as reflexões? Muito barulho atrapalha. Até as buzinas dos carros nas ruas incomodam conversas importantes. As máquinas fazem quase tudo. Podem facilitar nossas vidas, nossas viagens... Não podemos ser escravos delas. Elas precisam facilitar nossas vidas e serem usadas com planejamento, quando quisermos, nos momentos necessários. Vamos sofisticando nossas vidas e precisando cada vez mais de recursos para automatizar nossos comportamentos. E deixamos de fazer tantas coisas que serviriam até para melhorar nossos movimentos, nossa força e ativar nossas articulações. Muitas atividades do homem de outros tempos serviam até como ações que foram substituídas por sessões de fisioterapia ou aulas de ginástica que fazemos em nossas casas. Se vivermos equilibradamente as máquinas poderão facilitar nossas vidas e serem nossas companheiras. Muitas fazem mil coisas que nem saberíamos fazer, mas precisam estar sob nossa responsabilidade e comando. Elas poderão ser nossos apoios para serviços mais pesados ou delicados de grande porte. Não precisamos viver sem elas. Podemos usá-las racionalmente. ...................................................................................................................................... Dr. José Anézio Palaveri, médico, escritor, APLACE, setembro de 2020.

O CIRURGIÃO E SUA FORMAÇÃO NOS DIAS DE HOJE - Gaspar de Jesus Lopes Filho - unifesp

            Vivemos hoje uma sociedade bastante diferente daquela de nossos pais e avós e mesmo dos tempos de nossa própria vida acadêmica. Mudou o perfil do médico e do cirurgião que acabou de vivenciar uma experiência como aluno em um momento em que o aumento exponencial do conhecimento médico torna inviável sob qualquer ponto de vista a aquisição e assimilação cognitiva e as habilidades específicas a serem adquiridas em apenas seis anos de curso letivo, levando à necessidade cada vez mais premente de se estender o curso médico através de programas de residência médica cada vez mais prolongados (Camargo & Leme, 2011). 
             É importante ressaltar que esta geração procura também, e de maneira legítima, uma melhor qualidade de vida, uma carga horária que lhe permita uma conciliação com a sua vida privada, com níveis de tensão menores, com menos “burn out”, com menos alcoolismo, com menos drogaditos, com maior reconhecimento profissional, com remuneração digna, com melhores condições de trabalho e com menos chances, se tudo isso estiver presente, de incorrer em um erro médico, que pode destruir a sua vida profissional, o seu patrimônio e, até, a sua vida pessoal. No Brasil, um jovem cirurgião geral será provavelmente o único cirurgião de plantão em muitos hospitais e unidades de saúde, mesmo nas grandes cidades, e resta claro que o tempo atual de formação é insuficiente – quatorze meses, se descontarmos dos 24 meses os dois meses de férias e os oito meses de rodízios - e não permite que este jovem assuma sozinho esse nível de responsabilidade (Santos, 2009) 
             Um terceiro aspecto, não menos importante, é que todo paciente, tanto das grandes cidades como do interior do País, merece e tem o direito de ser tratado por um cirurgião adequadamente treinado (Welch & Allen, 2008). Merece e tem o direito ao cuidado, ao respeito e à interação com ele e com os seus familiares, ao respeito aos seus valores e às suas crenças e, também, à prática dos conceitos fundamentais da ética médica em toda a sua abrangência. Para fazer frente a todos esses desafios, o cirurgião precisa manter como foco de sua atenção central o paciente e suas necessidades. Além de todo um longo período de formação, fundamental para a aquisição e o desenvolvimento de suas habilidades técnicas específicas, este profissional precisa aprender a desenvolver intensamente as chamadas habilidades não técnicas, cognitivas e interpessoais: liderança, comunicação, trabalho em equipe, consciência situacional, gerenciamento do stress e da fadiga, entre outras (Barroso, 2017).
             E, finalmente e tão importante quanto, precisa aprender a manter uma relação médico-paciente ética e dinâmica, ajudando o paciente e seus familiares nas decisões a serem tomadas para a investigação da doença e nas situações que envolvam a terminalidade da vida. Precisa aprender a respeitar a privacidade e autonomia do paciente, observando todos os preceitos da ética médica. 

                                 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
           1. Camargo OP, Leme LEG. Oito anos de graduação em Medicina. Diagn Tratamento 2011;16(3):123-4.
           2. Santos EG. Residência médica em cirurgia geral no Brasil – muito distante da realidade professional. Rev Col Bras Cir 2009;36(3):271-6. 
           3. Welch C, Allen C. Surgical precision. Arch Surg 2008;143(11):1040-1.
           4. Barroso E. Formação em cirurgia - competências técnicas e não técnicas. Rev Port Cir 2017;41:5-6.