30 agosto 2014

ANEGLITOS NEGROS - SÉRGIO ROXO DA FONSECA - Cidadania

ANGELITOS NEGROS

Sérgio Roxo da Fonseca

Na década de cinquenta a música “Angelitos Negros” fez muito sucesso no Brasil. Era cantada em espanhol. Exortava os artistas a pintarem anjos negros, ainda que a Virgem Maria seja branca. No Brasil é venerada uma virgem negra, a Nossa Senhora de Aparecida. Ainda assim o argumento prevalece, não percebemos anjos negros em nossas igrejas.
O poema lembra que os negros também vão ao céu, não apenas os brancos, daí resultando a necessidade de se pintar anjos negros.
O tema vem à memória em razão do conflito racial ocorrido nos Estados Unidos, palco da morte de um rapaz acusado de ter furtado alguns cigarros. Diz o noticiário que levou seis tiros do policial. Com certeza não vai ser o último episódio de um filme muito antigo no qual os índios e negros sempre figuraram como bandidos perigosos para os brancos.
Mas há um contra-argumento. O presidente norte-americano é negro. Há alguns anos atrás, o principal chefe militar daquele país era mulato. Os restaurantes de lá recebem cada vez mais pessoas denominadas “de cor”.
Muito embora o Brasil proclame ser um exemplo de convivência racial, o mesmo aqui não ocorre. Já tivemos um mulato na Presidência da República, mesmo assim para cumprir um mandato tampão. Mas negro, não.
Dificilmente encontramos negros exercendo profissões universitárias. Assim médico, engenheiro, juízes, promotores, diplomatas, invariavelmente são brancos.
Fenômeno semelhante se passa em nossos restaurantes nos quais raramente se percebe a presença de negros. O contrário ocorre, com certeza, em nossas prisões. Há uma discriminação silenciosa no Brasil muito maior do que nos Estados Unidos.
O contraste entre o panorama norte-americano e o brasileiro, exige que se faça uma avaliação do que ocorre em nosso país. Falta muito trabalho para que se possa dizer que somos um exemplo de convivência racial. Precisamos pintar anjos negros em nossas igrejas, retirando-os das grades de nossas prisões. 

27 agosto 2014

CABEÇAS DE ALUGUEL: O FUNDO DO POÇO

CABEÇAS DE ALUGUEL: O FUNDO DO POÇO

ISAC JORGE FILHO *

                        Recentemente a mídia divulgou um dos fatos mais tristes e desalentadores dos últimos tempos. Passou quase desapercebido e, por isso mesmo, é preciso que se grite a indignação que toma conta de todos os que leram com atenção ou ouviram com ouvidos de quem quer ouvir, entender e se manifestar, e que se analise as causas e as conseqüências desse violento crime cometido contra a sociedade, a ética e a eqüidade neste País.
                        Quando jovens se prostituem, o sentimento de tristeza é imenso. Quando esses jovens estão entre os melhores alunos de universidades brasileiras e, portanto, representam a esperança maior de um Brasil mais justo e honesto, a sensação é de que se chegou ao fundo do poço. Afinal é na juventude, e especialmente na Universidade, que se concentram os mais ricos sentimentos de idealismo e de justiça.
                        A Polícia Federal, em operação chamada “vaga certa”, prendeu sete pessoas suspeitas de vender vagas em universidades públicas e privadas em pelo menos cinco estados brasileiros (Ceará, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Paraná) ao preço que variava de 25 a 70 mil reais. Até aí não é novidade. Já sabíamos, e lamentávamos, da existência de compra de questões de provas e de resultados finais. A novidade é que o processo,  agora descoberto, era realizado, há alguns anos, com a participação de “pilotos”: universitários qualificados entre os melhores alunos, que recebiam de 5 a 6 mil reais para fazer provas em nome de outros, usando carteiras de identificadas falsificadas. O pagamento (ou cachê?) variava de acordo com o conceito e importância da Faculdade
                        A participação de jovens vendendo seu conhecimento para fazer vestibular em nome de outros foi o fato mais marcante da operação “vaga certa”.
Era de se esperar uma reação enorme por parte da mídia e da sociedade com a revelação de fato tão grave. Não houve. Parece que as pessoas estão anestesiadas e que os conceitos de ética, moral e justiça se tornaram absolutamente abstratos, ou modificando um pouco o que lamentou certa vez o saudoso Mário Covas: “Vivemos um tempo em que ser ético é sinônimo de ser ingênuo”. É tempo dos “espertos”. A lei de Gerson já foi superada pela lei de Zéca Pagodinho que, publicamente se dirigiu ao Ministro Temporão, que fizera um apelo no sentido de que artistas não se prestassem a vender sua imagem para estimular o uso de bebidas alcoólicas, e respondeu grosseiramente, dentro de sua “ética” particular, que o Ministro cuidasse das máquinas estragadas das unidades de saúde e o deixasse ganhar seu dinheirinho. É isso aí. E ainda tem quem ache que Ética é coisa só para Médicos.
                        Deixando a gravíssima transgressão ética vale analisar algumas conseqüências do vestibular feito pelas “cabeças de aluguel”. Quem pode pagar o preço cobrado pela vaga certa? Não estaria havendo com isso maior distorção social nas oportunidades para cursos universitários? Há quanto tempo isso ocorre? Quantos profissionais estão exercendo suas atividades sem sequer terem prestado exames para ingresso nas faculdades? Não é realmente necessária uma avaliação externa do produto de nossas faculdades antes que iniciem o exercício profissional? Alguém vai dizer que ao longo do curso essas pessoas passarão por provas e, se não forem capazes, não terminarão sairão das faculdades. Seria assim se as universidades reprovassem com o rigor necessário. Como regra, poucas vezes isso parece acontecer e, quando ocorre, entra em ação uma nova figura na formação universitária: o reprovado entra na justiça para anular sua reprovação e freqüentemente consegue. O pior, geralmente são os pais que entram com os recursos contra a reprovação do “filhinho injustiçado”. Tudo isso sem contar a secular figura da “cola” que leva a aprovação de muitos incapazes. 
Já é antiga uma piada que falava de uma faculdade na qual era tão fácil ingressar que acabava aprovando também o motorista do ônibus que levava os candidatos. Hoje não é mais piada, não é o motorista do ônibus e não são só as faculdades fáceis. Com o uso das “cabeças de aluguel”, verdadeiros semi-analfabetos , portadores de certificado de conclusão do secundário, podem ingressar faculdades e, com recursos desonestos ou mandados de segurança, podem terminar seus cursos. 
                        Quem perde?
                        Os alunos capacitados perdem suas vagas e a comunidade perde bons profissionais. Mas, quem mais perde é o País que, com a revelação das prostituídas “cabeças de aluguel”, vê a Ética e a Esperança caminharem para o fundo do poço.
Que Deus nos proteja! 
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* Médico, Doutor em Cirurgia e Ex-Coordenador da Comissão de Pesquisa e Ensino Médico do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.

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