21 outubro 2020
INTRODUÇÃO À BIOÉTICA Isac Jorge Filho
APRESENTAÇÃO*
Ouvimos sempre que formação, universitária ou não, de um cidadão depende de um tripé representado por conhecimentos, habilidades e atitudes. Mas, na verdade, ela se inicia no relacionamento familiar e nos cursos fundamentais. São vivências que não se perdem, nunca. Meu interesse pelas coisas da natureza começam em minha Monte Carmelo, pequena cidade de Minas Gerais, influenciado pelo entusiasmo de meu pai com as coisas da terra, em seu quintal onde cuidadosamente plantava tomateiros, abacateiros, laranjeiras, mangueiras, cajueiros e tantas outras plantas. Conhecia tudo sobre elas. Vindo, com 11 anos de idade, do Líbano, não se dedicou ao comércio, como era o habitual entre os imigrantes árabes. Foi plantar fumo, prepara as folhas e produzir os rolos do tabaco. Ainda criança, aprendi com ele alguns segredos da agricultura e dos cuidados com a terra. No Instituto Gammon, de Lavras, esse interesse pelas coisas da natureza se ampliaram. A Escola Superior de Agricultura de Lavras (ESAL), hoje Federal, pertencia ao Gammon e íamos para lá ver os processos de plantação e pegar rãs nos lagos de irrigação da faculdade. Meu interesse pelas coisas que hoje constituem a Bioética começaram ainda nos tempos de universitário pela visão diferente de Medicina e de vida que a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo demonstrava. Ali aprendemos que não havia a doença, havia o doente e que cada um deles era um ser especial. Em uma época em que isso era raro passávamos um período no estágio rural lidando com pessoas simples e doenças simples, mas importantes e prevalentes. Na época a região era endêmica para a Doença de Chagas e por meio do Centro Acadêmico Rocha Lima fazíamos um relevante trabalho de orientação a respeito do combate ao “barbeiro” indo aos bairros de Ribeirão Preto e cidades da Região utilizando um “jeep” cedido pela faculdade. O motorista era o Joaquim, funcionário da USP e esposo da Dona Luiza, que muitos anos depois foi a pessoa abençoada que cuidava de minha casa e de meus filhos enquanto minha esposa, Leila, exercia a Ginecologia e Obstetrícia, ela que havia sido minha caloura na faculdade. Em nossas andanças pela Região tínhamos contato com o povo e a oportunidade de explicar como combater os “barbeiros” e como era a Doença de Chagas. Em troca eles nos ensinavam coisas do campo e da cidade pequena. No segundo ano da Faculdade passei a ser professor do Curso César Lattes, preparatório para os vestibulares. Como nada ocorre por acaso, quis o Grande Arquiteto do Universo que eu fosse ensinar Zoologia, Botânica e Ecologia. Esta última área reforçou meu interesse pelo meio ambiente e na Zoologia passei a conhecer detalhes sobre os ciclos dos parasitas responsáveis por tantas “doenças da miséria”. Passei também a tratar com familiaridade coisas como nicho ecológico, ecossistemas, biomas e tantas mais. Ao mesmo tempo me interessei pela Cirurgia Geral e Gastroenterologia. Estava confuso com essa formação heterodoxa: de um lado a Medicina e do outro a Ecologia. Sempre achei as duas muito importantes e não queria deixá-las. A resposta apareceu com a minha chegada ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo onde, com influência de Marco Segre, Reinaldo Ayer, Regina Parizi e tantos outros, encontrei na Bioética um campo que me permitia utilizar os conhecimentos e trabalhos feitos até então. A Bioética inclui todos aqueles conhecimentos e muitos mais. É fonte inesgotável de conhecimentos. Sendo a Ética uma análise autônoma e crítica de fatos e valores encontramos na Bioética um grande número de polêmicas e reflexões. É disso que trata esse livro: fundamentos da Bioética e reflexões. A amplitude e variedade de assuntos torna difícil e complicada a metodização do trabalho na produção de um livro com um lógico começo, meio e fim. O fato de ser a Bioética área multiprofissional e multidisciplinar aumenta ainda mais essa dificuldade. Da relação de preocupações com a coerência dos textos também faz parte as peculiaridades dos temas bioéticos em cada região, estado ou país. Procuramos não perder de vista todos esses aspectos e tentamos escrever um texto de alcance brasileiro, sem perder de vista o que ocorre nas outras regiões de nossa Biosfera, mas sem a pretensão de produzir um livro completo.
É com imensa satisfação que lançamos este trabalho que pretende mostrar as bases fundamentais de instigantes temas contidos no universo da Bioética. Tomamos o cuidado de incluir temas que levem em conta seu caráter multidisciplinar e multiprofissional, justamente o que torna a Bioética tão interessante já que, em primeira instância, abre e democratiza os debates. Mas não há dúvidas: em seu dia-a-dia no consultório e/ou no hospital o médico é um dos profissionais que mais se deparam com profundos dilemas e reflexões. Quem deve decidir o que significa o bem-estar do paciente? Até aonde ir? Como ser justo? São algumas das questões vinculadas a raciocínios bioéticos, nem sempre percebidos como tal. O que o médico, o enfermeiro, o advogado e o capelão pensam da doação de sangue em testemunhas de Jeová? O que o pesquisador, o político e o juiz de direito pensam da clonagem? Até onde vale a insistência na manutenção de terapias experimentais em pacientes terminais?
Estamos seguros que ao terminar cada capítulo o leitor e a leitora terão mais dúvidas do que quando começaram. E é assim mesmo, já que a Bioética é, por princípio, instigante e polêmica. Cada resposta a um problema leva a novas perguntas...
Que você termine esse livro com mais conhecimento e mais dúvidas que quando começou são os nossos votos!
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* Esta é a apresentação do livro "Bioética: fundamentos e reflexões" - Editor-chefe: Isac Jorge Filho Editora: Atheneu
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