NÃO, AO COMPLEXO DE VIRA-LATA
ISAC
JORGE FILHO
Nelson Rodrigues
falava, a propósito do “maracanazo”, que o brasileiro tinha um “complexo de
vira-lata”. Seria um complexo de inferioridade, considerando sempre que o que
se fazia ou produzia aqui era pior que o produzido ou feito no exterior. Todos
já ouvimos expressões de louvor ao que é produzido lá fora e críticas mordazes
aos produtos brasileiros. “Não dá para ir hoje ao cinema, o filme é
brasileiro”... “O complexo vitamínico X é excelente. Eu trouxe dos Estados
Unidos”. E por aí vamos... No futebol as vitórias em cinco copas mundiais
afastaram o complexo de vira-latas, talvez tenham até trazido o complexo
inverso, o de superioridade. A derrota acachapante por 7X1 contra a Alemanha jogou por terra
essa pretensa superioridade e o risco é que voltemos ao complexo de vira-lata,
o que seria lamentável pois temos muito do que orgulhar em nosso País. A
própria Copa mostrou aspectos positivos reconhecidos em todo o mundo. Se
jogadores e Comissão Técnica, que recebem salários milionários e vivem, na sua
maioria, no Exterior, não foram capazes de mostrar no campo o futebol que
esperávamos, isso não diminui a grandeza do País em muitos aspectos, apesar do
esforço de maus políticos e maus brasileiros em puxar no sentido contrário. Por
coincidência, no mesmo dia do vexame futebolístico, conheci em Brasília o
Hospital Sarah Kubitschek e fiquei admirado com a estrutura e o trabalho ali
realizados. O Sarah, fundado por Dr. Aloysio Campos da Paz, é reconhecido
internacionalmente como um dos maiores centros de reabilitação no mundo
inteiro. Sua estrutura, foi projetada pelo arquiteto carioca João Filgueiras Lima, o Lelé, parceiro de
Oscar Niemeyer. Lelé, que nos deixou recentemente, aos 82 anos, se consagrou
internacionalmente não só por seu trabalho em Brasília e pelo uso pioneiro de
componentes pré-fabricados. Na área da saúde deixou um legado pela ênfase nas
preocupações sociais e no bem-estar dos
pacientes em seus projetos de construção
de hospitais. Até idéias da medicina arabesca da Idade Média foram
apanhadas por Lelé. O primeiro hospital a ser construído foi o grande Hospital
de Bagdá, com preocupações na ventilação, iluminação e áreas de lazer. No Sarah
estas preocupações são claramente percebidas. A vegetação bem planejada, as
amplas e confortáveis áreas de circulação e os cuidados com a circulação de ar
tornam o ambiente fresco, claro e alegre. Conheci Lelé na Associação de
Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto. Fiquei admirado com sua
palestra e com seu livro: “Arquitetura:
uma Experiência na Área da Saúde”,
destaque do Prêmio Jabuti. As preocupações sociais e humanísticas de Lelé eram
as mesmas de Aloysio Campos da Paz, o fundador do hospital, daí o ambiente
diferente dos hospitais comuns que encontramos no Sarah. Cada funcionário
contratado pelo hospital passa por um período de adaptação e aprendizado em
relações humanas que pode chegar a oito meses. Tudo isso torna o Sarah um hospital especial.
Futebol nada mais é que um esporte, como tantos outros. Seria muito bom se tivéssemos ganho a Copa,
mas, importante mesmo é ter coisas mais
relevantes para nos orgulhar. O Sarah é uma delas. Craques importantes temos
muitos, alguns ainda vivos, como Campos da Paz; outros, como Lelé, já se foram, mas deixaram motivos mais que
suficientes para que não tenhamos mais o
“complexo de vira-lata”.
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