23 julho 2014

DISCURSO PROFERIDO PELO SENADOR CRISTOVAM BUARQUE NO PLENÁRIO DO SENADO FEDERAL EM 9/7/14 : Cidadania

Desculpe, David Luiz
*Cristovam Buarque

O Brasil é um País privilegiado. Sabemos do privilégio na natureza e nas características do povo, mas tem um privilégio na história: o fato de que não termos traumas que outros países têm nas suas histórias. Nunca perdemos uma guerra, nem nos nos rendemos. A Alemanha sofreu duas derrotas e rendições em um mesmo século. A França que foi invadida e ocupada durante quatro anos pelo exército alemão. Os Estados Unidos tiveram uma traumática guerra civil e presidentes assassinados. Nossos traumas se resumem ao suicídio de um presidente, e perda da Copa do Mundo para o Uruguai, no último minuto, 64 anos atrás.

Agora, neste 8 de julho de 2014, ficamos com a sensação de um grande trauma nacional por causa da desastrosa derrota por 7 a 1 que nossa seleção sofreu diante da Alemanha.
Porsermos o país do futebol, por termos este esporte entrando na alma 
de nosso povo, e por sermos atualmente bons, os melhores historicamente, 
nós temos a razão de sentirmos o trauma com a derrota da seleção ontem. O
que surpreende é como não temos outros traumas.

Por exemplo, estamos profundamente abatidos no Brasil inteiro porque 
perdemos de 7 a 1 para a Alemanha, mas jamais nos lembramos de que a 
Alemanha teve 103 Prêmios Nobel e nós nenhum.

Com toda a tristeza que sinto pelo fato de termos sido derrotados, e 
com um escore tão grande, do ponto de vista do interesse nacional, do ponto 
de vista das consequências para o futuro, é muito mais grave para o futuro do 
País o fato de estarmos perdendo para a Alemanha de 103 a zero, no 
campeonato de Prêmio Nobel.

Nós não nos traumatizamos, no dia 14 de março de 2013, quando foi 
divulgado o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, que nos 
deixou em 85º lugar, entre 106 países analisados. Entre estes países estão 
alguns dos mais pobres do mundo, os 106 ficamos em 85º – quase lanterninha 
–, e não nos traumatizamos. E nós nos traumatizamos por sermos o quarto 
ou até o terceiro em futebol, dependendo do resultado do jogo no próximo 
sábado. O mundo inteiro disputou para ter seus times na COPA. Foram 
selecionados 31 e nós fomos disputar com eles. Apenas 32 foram selecionados 
como os melhores. Aos poucos foram sendo eliminados. O nosso chegou ao 
último estágio, que são os quatro finalistas. Não chegamos à finalíssima, mas 
chegamos à anterior. Na pior das hipóteses, sairemos dessa Copa como a 
quarta melhor seleção de futebol do mundo. E o Brasil está de luto, num 
sofrimento que dói na gente, sobretudo quando vemos as crianças que 
choraram no estádio e nas ruas pela derrota que elas não esperavam.

Mas não nos traumatizamos no dia 3 de dezembro de 2013, quando foi 
divulgada a classificação do Brasil na educação, entre 65 países, e ficamos em 58º. Uma avaliação que analisa 65 países, feita pela Organização para a 
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, da Europa, deixa-nos em 58º,
entre 65 e não houve nenhum trauma naquele 4 de dezembro, dia seguinte à 
divulgação do resultado. Este campeonato que não gerou qualquer tristeza, 
mas suas consequências para o Brasil são muito mais trágicas, do que o 
resultado do jogo contra a Alemanha.

Nós não tivemos o menor constrangimento, o menor trauma, a menor 
tristeza, quando, no dia 1º de março de 2011, a Unesco divulgou a sua 
classificação da educação para 128 países, e nos colocou em 88º. Ou seja, um 
dos piores.E, quando falamos em 128 países, estamos incluindo os mais pobres do 
mundo, não nos comportamos apenas com países da elite educacional, não 
foram apenas os BRICS, nem apenas os emergentes. 

Temos toda a razão emocional de estarmos tristes por termos sido excluídos da finalíssima decisão de quem será o campeão deste ano. Temos toda a razão de estarmos tristes, 
porque ainda não foi este ano que ganhamos o hexa, mas também precisamos 
ficar tristes com as outras nossas classificações: na educação, na saúde publica, 
na violência, no quadro social. Todo o direito à tristeza, mas não esqueçamos as outras razões para sofrer também, até porque são essas outras razões de sofrimento que nos 
levariam a superar os nossos problemas e construir um futuro que nos vem 
sendo negado há séculos.

Precisamos ver, nessa derrota,  como o jogador David Luiz no final do 
jogo, quando ainda dentro do campo, pela televisão, chorando, disse o 
seguinte: “Desculpa, por não ter feito vocês felizes nesta hora”. Veja a que 
grandeza: ele não disse que estava triste por não ser campeão do mundo. 
Estava triste por não ter feito a nós, os brasileiros, felizes nessa hora. E 
continuou “Mas aqui tem um cidadão disposto a ajudar a todos”, Ou seja, a 
derrota foi de um jogo, não foi a derrota de uma história. E continua: “Eu só queria dar alegria para o meu povo que sofre tanto por tanta coisa”. Esse sentimento vindo dele confesso que me surpreendeu, quando ele lembra: “queria dar uma alegria para esse povo que sofre tanto por tanta coisa”. E ele diz: “Queria pedir desculpa”, “só queria fazer meu povo sorrir pelo menos no 
futebol”.

Veja que sentimento esse rapaz teve. Sair daquela derrota chorando e lembrar-se do povo, lembrar-se do sofrimento do povo e lembrar-se, como ele diz, de o povo sorrir, pelo menos no futebol. “Porque já sofre tanto por tanta coisa”. 

O sofrimento não fica restrito ao futebol mas é o sofrimento do futebol que traumatiza. Os demais são tolerados, ignorados, por serem banalizados. Por isso não damos tanta importância aos demais sofrimentos e não fazemos o dever de casa para consertar o resto e ganhar outras copas. Não estamos jogando para sermos campeões mundiais na educação, para sermos campeões mundiais no saneamento, para sermos campeões mundiais, por exemplo, na paz das cidades. Embora fracassada, fazemos o dever de casa, para sermos competitivos no futebol, mas não estamos fazendo o dever de casa para o Brasil ser melhor, mais eficiente, mais justo, e não percebemos este fracasso. Por isso não sofremos, diante dos males banalizados. Sofremos porque o Brasil não é campeão mundial de futebol este ano – já foi cinco vezes –, mas não sofremos porque não estamos fazendo um Brasil melhor.

Quando vi o David Luiz pedindo desculpas, pensei: quem devia estar ali pedindo desculpas éramos nós os Senadores, os Deputados, os Ministros, os Governadores, a Presidente da República, porque somos nós que estamos em campo para fazer um Brasil melhor. Nós somos a seleção brasileira da política para a definição dos rumos do País. E nem ao menos lembramos que o papel do político é eliminar os entulhos que dificultam o caminho das pessoas à busca de sua felicidade pessoal.

Eles estavam em campo para fazer o Brasil campeão. Nós estamos em campo para fazer um Brasil melhor e não estamos conseguindo chegar nem ao quarto, nem ao décimo, nem ao vigésimo, nem ao quinquagésimo lugar. Estamos chegando ao octogésimo quinto no Índice de Desenvolvimento Humano, octogésimo oitavo na educação. Estamos perdendo de 103 a zero em Prêmio Nobel para a Alemanha.

O mais importante para o futuro do País não é o campeonato de futebol, embora esse toque mais na alma da gente, o maior campeonato que estamos perdendo são as condições sociais, as possibilidades de eficiência na economia, a educação, segurança, a saúde, a corrupção. Esses são os campeonatos que devem fazer com que nós brasileiros trabalhemos para superar.

O David Luís deu todo o seu esforço e nos colocou primeiro entre as seleções selecionadas para a Copa, porque muitas ficaram de fora; depois nos fez passar para oitava, para quarta e agora estamos nas finais, e apesar disso ele nos pede desculpas, “por não ter feito o povo sorrir, pelo menos no futebol” – como ele disse – pelo menos no futebol, mas não basta só o futebol. Pelo menos no futebol porque essa é a tarefa dele, mas aqui, nesta casa no congresso não basta o futebol.

Sofri ontem como qualquer brasileiro, mas eu quero agradecer aos jogadores que nos colocaram nessa posição.

Quero agradecer, ao David Luiz, quando ele nos deu esta lição: “Eu só queria fazer meu povo sorrir pelo menos no futebol.” Você não conseguiu, David Luiz, fazer o povo sorrir plenamente no futebol, mas você conseguiu nos despertar para o fato de que nós não estamos conseguindo fazer o povo sorrir pelas outras coisas das quais eu sou um dos responsáveis.

Por isso, desculpa, David Luiz.


Cristovam Buarque, Professor da UnB e Senador pelo PDT-DF.

22 julho 2014

NÃO, AO COMPLEXO DE VIRA-LATA : Cidadania, Saúde.

NÃO, AO COMPLEXO DE VIRA-LATA

                                                                                  ISAC JORGE FILHO


            Nelson Rodrigues falava, a propósito do “maracanazo”, que o brasileiro tinha um “complexo de vira-lata”. Seria um complexo de inferioridade, considerando sempre que o que se fazia ou produzia aqui era pior que o produzido ou feito no exterior. Todos já ouvimos expressões de louvor ao que é produzido lá fora e críticas mordazes aos produtos brasileiros. “Não dá para ir hoje ao cinema, o filme é brasileiro”... “O complexo vitamínico X é excelente. Eu trouxe dos Estados Unidos”. E por aí vamos... No futebol as vitórias em cinco copas mundiais afastaram o complexo de vira-latas, talvez tenham até trazido o complexo inverso, o de superioridade. A derrota acachapante  por 7X1 contra a Alemanha jogou por terra essa pretensa superioridade e o risco é que voltemos ao complexo de vira-lata, o que seria lamentável pois temos muito do que orgulhar em nosso País. A própria Copa mostrou aspectos positivos reconhecidos em todo o mundo. Se jogadores e Comissão Técnica, que recebem salários milionários e vivem, na sua maioria, no Exterior, não foram capazes de mostrar no campo o futebol que esperávamos, isso não diminui a grandeza do País em muitos aspectos, apesar do esforço de maus políticos e maus brasileiros em puxar no sentido contrário. Por coincidência, no mesmo dia do vexame futebolístico, conheci em Brasília o Hospital Sarah Kubitschek e fiquei admirado com a estrutura e o trabalho ali realizados. O Sarah, fundado por Dr. Aloysio Campos da Paz, é reconhecido internacionalmente como um dos maiores centros de reabilitação no mundo inteiro. Sua estrutura, foi projetada pelo arquiteto carioca  João Filgueiras Lima, o Lelé, parceiro de Oscar Niemeyer. Lelé, que nos deixou recentemente, aos 82 anos, se consagrou internacionalmente não só por seu trabalho em Brasília e pelo uso pioneiro de componentes pré-fabricados. Na área da saúde deixou um legado pela ênfase nas preocupações sociais  e no bem-estar dos pacientes em seus projetos de construção  de hospitais. Até idéias da medicina arabesca da Idade Média foram apanhadas por Lelé. O primeiro hospital a ser construído foi o grande Hospital de Bagdá, com preocupações na ventilação, iluminação e áreas de lazer. No Sarah estas preocupações são claramente percebidas. A vegetação bem planejada, as amplas e confortáveis áreas de circulação e os cuidados com a circulação de ar tornam o ambiente fresco, claro e alegre. Conheci Lelé na Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto. Fiquei admirado com sua palestra e com seu livro: “Arquitetura: uma Experiência na Área da Saúde”, destaque do Prêmio Jabuti. As preocupações sociais e humanísticas de Lelé eram as mesmas de Aloysio Campos da Paz, o fundador do hospital, daí o ambiente diferente dos hospitais comuns que encontramos no Sarah. Cada funcionário contratado pelo hospital passa por um período de adaptação e aprendizado em relações humanas que pode chegar a oito meses.  Tudo isso torna o Sarah um hospital especial. Futebol nada mais é que um esporte, como tantos outros.  Seria muito bom se tivéssemos ganho a Copa, mas,  importante mesmo é ter coisas mais relevantes para nos orgulhar. O Sarah é uma delas. Craques importantes temos muitos, alguns ainda vivos, como Campos da Paz; outros,  como Lelé,  já se foram, mas deixaram motivos mais que suficientes para que não tenhamos mais  o “complexo de vira-lata”.

04 julho 2014

Cidadania: A bíblia de português - Sérgio Roxo da Fonseca

A BÍBLIA DE PORTUGUÊS

                                                                                     Sérgio Roxo da Fonseca

            Li na imprensa que estava sendo lançada uma bíblia de português. A frase, como se vê, tem mais de um sentido. Vejamos alguns deles: 1) a bíblia é de um português; 2) está é a bíblia escrita por um português; 3) está é a bíblia que está sendo vendida por um português. Mas, com certeza, há outros sentidos.
            Na antiguidade os sábios discutiram o teor da frase pronunciada pelo anjo que recebeu as santas senhoras em sua visita ao túmulo de Cristo. O texto examinado continha duas negativas. Teria dito o anjo: “não, Ele não está aqui”. Se a frase estivesse escrita em latim, uma língua lógica, as duas negativas seriam eliminadas, de sorte que a afirmação teria o sentido de “Ele está aqui”. Um “não” mata o outro.
            Em português não é assim. As duas negativas reforçaria a negação: “não, Ele não está aqui”. Ou seja, com certeza ele ressuscitou.
            Os nossos os computadores, que são máquinas tautológicas, são mais latinos do que portugueses. Para eles, duas negativas representam uma afirmação. Menos com menos dá mais.
            São infindáveis as dificuldades encontradas em todas as línguas, muito especialmente em português. Há tempos uma pessoa escreveu uma monumental bíblia para servir de aldabra para abrir as portas do entendimento da nossa língua. Ou seja, da nossa compreensão.
            Refiro-me ao livro “Gramática da Língua Portuguesa Padrão”, resultado de uma extraordinária pesquisa desenvolvida pela festejada professora Amini Bounain Hauy.
            Todos nós vivemos retratando o que vemos por meio de palavras. Quase sempre montamos nossos pensamentos manejando essas mesmas palavras. A extensão do meu mundo é do tamanho da extensão das minhas palavras.
            Nossos cumprimentos dirigidos ‘a pessoa da professora Amini Bounain Hauy, que, cumprindo um dever bíblico, deu água aos sedentos e vestiu os nus, iluminando os caminhos da nossa vida com as luzes sagradas da língua portuguesa. Com certeza, escreveu um bíblia para o português.
           


03 julho 2014

A ditadura da moda: Saúde e Cidadania.

A DITADURA DA MODA E SEUS EFEITOS SOBRE A SAÚDE

 

 

ISAC JORGE FILHO


                                    Ainda está em nossas mentes a divulgação pela mídia da morte de uma jovem modelo como conseqüência de inanição. Era apenas a ponta de um “iceberg”. A busca de mais informações a respeito do assunto, em todo o mundo ocidental, nos levou ao conhecimento de um sem número de complicações e muitas mortes decorrentes da desnutrição de jovens vítimas da “ditadura da moda”, que exige modelos cada vez mais magras. Algumas fotos de modelos  muitas vezes lembram as imagens de  jovens africanas desnutridas, nos tristes episódios de desnutrição em massa, por falta de alimentos, como o que assolou Biafra.
                                    O tema intrigou a Câmara Técnica de Nutrologia do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, formada por médicos que trabalham com distúrbios da nutrição e que levantaram, em reunião especial, na capital paulista, os seguintes tópicos preocupantes:
 
·         As divulgações, pela mídia, de mortes de jovens brasileiras, vítimas de inanição em nome de uma lamentável “indústria da moda e da beleza”.
·         O estímulo, ainda que velado e indireto, de alguns agentes publicitários, algumas empresas que divulgam a moda e “fabricam” as “modelos” ou, ainda, certas instituições de ensino de danças artísticas que cultuam baixo peso como condição.
·         Crianças ou jovens adolescentes em plena fase de crescimento e desenvolvimento, necessitando adequadas ofertas de nutrientes, se submetem ou são submetidas a violentas restrições dietéticas.
·         Por desinformação, muitas famílias estimulam ou apóiam tais restrições dietéticas.
·         A ditadura da moda tem concorrido fortemente para a má orientação alimentar, sendo as crianças com estrutura corporal “fora da moda magra” ridicularizadas em escolas, clubes sociais e, por vezes até dentro da constelação familiar.
·         A Organização Mundial de Saúde considera como parâmetro de qualidade de saúde as pessoas com Índice de Massa Corporal acima de 18,5 Kg/m2 , entendendo como abaixo do peso e portanto sujeito aos riscos da desnutrição valores mais baixos.
·         O processo de desnutrição é altamente lesivo para o organismo, dificultando a formação óssea, o desenvolvimento hormonal e intelectual e propiciando o aparecimento de várias doenças, principalmente as infecciosas, devido a baixa atividade imunológica.

·         Algumas modelos tem IMC entre 14 e 16 Kg/m2 , tendo recentemente falecido modelo com Índice de 13 !


            Por tudo isso, a Espanha já assumiu a dianteira quanto a providências produzindo legislação que proíbe que jovens com índices de massa mais baixos que os preconizados sejam aceitas em empresas de modas e de danças artísticas. Busca, com isso, cortar o caminho que leva a doenças e mortes por inanição crianças e adolescentes que buscam fama e sucesso. A Câmara Técnica de Nutrologia do Cremesp apelou para as autoridades responsáveis pela Saúde Pública brasileira no sentido de que defina e aplique normas rigorosas que busquem coibir, nos diferentes setores envolvidos, a perversa “ditadura da moda e da beleza” que tem levado à doenças carenciais e até a morte crianças e adolescentes em nosso País. Adicionalmente colocou-se à disposição para colaborar no estabelecimento destas normas e providências a serem aplicadas.
 


A PROLETARIZAÇÃO DA MEDICINA - Sérgio Roxo da Fonseca - Saúde, Cidadania

A PROLETARIZAÇÃO DA MEDICINA

                        Sérgio Roxo da Fonseca

            A proletarização profissional contrasta com a ideia da liberalização. O vocábulo tem raiz na antiguidade da nossa civilização que, então, correspondia às pessoas que tinham acesso ao direito de ter filhos, ou prole, como queiram, não podendo, reversamente, ter acesso à propriedade de bens.
            Com a primeira Revolução Industrial passou a ter um significado mais preciso, mas não longe do originário. Proletário passou a ser o contrário de empregador.
            No sentido oposto estava e ainda está a ideia segundo a qual o exercício de algumas profissões, peculiares que são, não podem ou não devem sofrer as injunções próprias do contrato de trabalho, tais como a medicina, a advocacia e a engenharia. Passaram a ser reconhecidas pela expressão “profissionais liberais”, cujos atos devem ser apreciados segundo a ética própria do seu titular.
            A medicina, no entanto, tem sofrido profunda alteração no seu exercício. Afirma-se que a transformação é resultado das necessidades de grandes investimentos na técnica do seu exercício, o que impediria a prática solitária ou individual.
            Realmente, a partir da segunda metade do século XX os médicos aos poucos vão se afastando do exercício liberal, sendo absorvidos por empregadores públicos e privados.
            É bem verdade que teoricamente afirma-se que, mesmo assim, o sistema reserva para cada um deles o juízo ético do exercício dos seus atos profissionais. Porém fica muito difícil afirmar que esta liberdade possa se opor aos interesses corporativos de seus empregadores  públicos ou privados.
            Se a constatação é verdadeira, forçoso admitir que o juízo ético da profissão da medicina está em forçada alteração, caminhando-se para o que hoje conhecemos pelo nome de proletarização. Indaga-se se esta preocupação é verdadeira ou falsa? Se verdadeira ou falsa qual é o sentido do exercício dos atos médicos nos nossos dias? E no futuro?