Na área médica a inquietação tem aumentado dramaticamente,
inclusive com a rápida evolução da chamada Telemedicina. Recentemente todos
ficamos chocados devido à grande repercussão na mídia de notícia com o título –
Câncer de mama: inteligência artificial supera o médico no diagnóstico. O estudo
publicado na conceituada revista Nature envolveu pesquisadores da Google Health
e do Imperial College London. A informação teve como base a análise de exames de
imagem de cerca de 29000 mulheres. Na pesquisa, um modelo de Inteligência
Artificial recebeu exames de mamografias sem identificação das pacientes e sem
história clínica. Comparando-se o resultado com aqueles obtidos por seis
radiologistas, que conheciam dados da história clínica dos pacientes, ocorreu
superioridade dos diagnósticos da IA, com a redução tanto de resultados falsos
positivos quanto falso negativos.
Uma reflexão que não pode deixar de ser feita:
Seremos nós, médicos, num futuro próximo, reduzidos a apenas “explicadores” de
resultados de exames e da conduta sugerida pela “máquina” para melhor
entendimento dos pacientes? A lista de efeitos positivos muito relevantes para a
humanidade é indiscutível como por exemplo o aumento da capacidade cognitivas em
virtude de grande e disponíveis quantidade de dados e informações importantes
através de algorítmicos, permitindo analisar (e, solucionar) problemas cada vez
mais complexos. Por outro lado, não podemos olvidar os enormes potenciais
efeitos negativos, como por exemplo – a drástica redução de postos de trabalho,
o crescimento das desigualdades sociais e no campo da defesa militar, a perigosa
produção de sistemas de armas completamente autônomas, os chamados Killer Robts.
Mas os grandes desafios éticos desbordam da área da saúde e atingem contornos
épicos para o futuro da humanidade. Um dos aspectos mais inquietante da IA é a
chamada mutação antropológica, que coloca em pauta o próprio futuro do gênero
humano. Questões importantes que causam verdadeira inquietação entre os
cientistas são, entre outras: que evolução nos espera? Qual o destino para a
espécie humana? A IA poderá evoluir até se auto-humanizar?
Nunca foi tão atual a
teoria dos trans-humanistas – termo cunhado em 1957 por Julien Huxley e, hoje,
uma das correntes da Bioética. Filosofia que parece ter forte e atual relação
com a “suprema esperança” referida por Nietzshe, a de alcançar a superação da
humanidade, graças ao nascimento de “uma nova e bela espécie” de seres humanos
superiores. Mas tal mutação não pode ser atribuída apenas à robótica, mas também
às biotecnologias através, por exemplo, de manipulações genéticas. Essa
realidade enfatiza os preceitos inscritos na “Carta dos trans-humanistas
Italianos”: “Graças às biotecnologias e a engenharia genética, às
nanotecnologias e a robótica, à inteligência artificial e às neurociências,
romperemos os nossos vínculos biológicos-evolucionistas, emancipando-se do
envelhecimento, das doenças, da pobreza e da ignorância”. O professor Yoshua
Bengio da Universidade de Montreal lidera um esforço para produzir um código de
conduta internacional para uso ético de inteligência artificial. O professor foi
o responsável pela organização de diversos eventos para discussão e reflexão de
aspectos éticos da IA. A “Declaração de Montreal” foi o resultado desses eventos
com ampla participação de cientistas e profissionais das áreas de humanidades. O
processo levou cerca de um ano e definiu dez princípios que visam a orientar as
organizações no desenvolvimento da IA. Os referidos princípios são os seguintes,
sem ordem de prioridade: princípio do bem-estar, do respeito à autonomia das
pessoas, da privacidade e intimidade individual, da solidariedade (e manutenção
de vínculos), da participação democrática (com ampla participação das pessoas),
da igualdade (sociedade mais justa e menos desigual), da inclusão e diversidade,
da prudência, da responsabilidade e do desenvolvimento sustentável.
Stephen
Hawking beneficiou-se da IA, nos últimos anos de vida para se comunicar, apesar
de sua grave doença. Mas, o famoso cientista sempre manifestou seu temor pelos
perigos representados pela IA para o futuro da humanidade. A “Declaração de
Montreal” é uma forte e bem vinda esperança que os aspectos éticos da IA merecem
uma profunda e continuada reflexão por todos aqueles que se preocupam com a
sobrevivência digna do homem em nosso planeta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Inteligência Artificial e pós-humanismo
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/581458-inteligencia-artificial-e-pos-humanismo-artigo-de-giannino-piana
(acessado em 16/01/2020).
Fukuyama F. Nosso futuro pós-humano. Tradução de Maria
Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2003