O
homenageado que homenageou
Feres Sabino*
Se a gratidão é a memória da alma, não foi só a regência da
Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto,
na celebração de seus noventa anos de vida, que revelou
o humanismo do maestro Roberto
Minczuck cuja fala sempre o coloca no seio de sua família e
filhos. Protagonista, foi
homenageado.
Ele narra o seu lugar no mundo, como se fosse um viajante
cósmico, que passasse para aprender, ensinar e seduzir pela musicalidade, que encontrou o fluxo de sua sementeira, na terra
de tantas fronteiras, tantas culturas, tantas línguas. O som coletivo de sua
regência, sob a qual homens e mulheres
se dedicam com humildade, emoção, capacidade e disciplina,
esparrama-se, como um plantio divino, que a mais antiga arte sabe
trabalhar, sem limite de tempo e lugar.
Estava ali, naquele palco a leveza de sua “coreografia”
de braços longos e mãos movediças, desenhando no ar as notas e o
compasso de tantos instrumentos. A forte
expressão corporal revela o
domínio pleno da arte
amadurecida, que tem a Orquestra
Sinfônica de Ribeirão Preto, como concausa de seu mérito, num tempo inicial de
seu trabalho disciplinado. Nesse
período conheceu dr. Luiz Gaetani, que o tratou como filho, apoiando-o –--
di-lo assim – incondicionalmente, apoiando-o em todos os aspectos, e
englobando nesse carinho sua própria e toda família. Como um pai para
seu filho.
Foi homenageado e veio para homenagear.
Foi homenageado, pois
a marca digital de sua carreira está em muitas lembranças materializadas, tal
como a reinauguração do Teatro Pedro II, por exemplo, ou o depósito continuado
de esperança na juventude com o seu – “A
Juventude tem Concerto”- , que o tempo se encarregou de esticar, na repetição,
que nunca acabou, nem acabará.
Homenageou a orquestra e os amigos dela, a cidade hospitaleira, que o acolheu, quando estava , há pouco, na caminhada de artista da arte de reger uma
Orquestra Sinfônica.
Mas, o ponto alto de sua visita teve poucas testemunhas. Uma
delas, num fiapo de conversa, comentou o acontecido em três horas de visita ao
inesquecível e dedicado dr. Luiz
Gaetani. Ele se encontra recolhido, em
uma casa de repouso, onde ou descansa
em algum sonho definitivo de sua vida, ou remove na mente inerte a
lembrança dos benefícios que trouxe à cidade de seu
coração, ou, quem sabe, retorna à realidade, como um meteoro, para rever , assim rapidamente, a Orquestra que foi o culto de sua dedicação
e trabalho, por anos e anos a fio, como
seu Presidente, de 1976 a 2000.
Roberto
Minczuck aprofunda e revela a
essência do seu ser, nessa visita ao
homem que nele acreditou, e que tanto o
prestigiou. Ele ficou sentado ali, por
três horas, de mãos dadas, conversando com seu monólogo, desejando que o amigo
o compreendesse, ou que desse a ele, ao
menos, a ilusão de uma só resposta, ou a
ilusão de um só gesto, de um sorriso
quiçá, forçando esquecer aquele
olhar vidrado às vezes, esperando, com
ânsia contida, que conseguisse medir o sentido da sua presença fraterna , a
gratidão aprisionada pelo não-sentir, nem ouvir, nem o não-responder do amigo
doente.
O silencio foi umedecido pelas lágrimas do Maestro vitorioso.
Foi assim que o homenageado homenageou.
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