16 junho 2007

ÊRROS NA IMPRENSA

AGENOR SPALLINI FERRAZ

A imprensa, de vez em quando comete erros com conseqüências mais ou menos graves e que nem sempre são reparados. Isto aconteceu com a Folha de São Paulo na edição de terça feira - 8/05/07 em matéria sobre transplantes de órgãos (Doações de órgãos caem no país pelo 2º ano) de autoria de Matheus Pichonelli. Complementa a notícia a matéria: “No Brasil, todo cidadão é doador presumido”. Aqui reside o erro que considero serio uma vez que como explico a seguir o doador presumido não existe mais desde 2001.
Em 4 de fevereiro de 1997 foi promulgada a Lei no. 9.434 que instituía a doação presumida no país. Após a publicação do Decreto no. 2.268, que regulamentou a Lei e da Portaria (3.407) com o regulamento técnico sobre as atividades de transplante, a lei passou a vigorar em janeiro de 1998 sem que houvesse tempo hábil, nem campanhas oficiais de esclarecimento da população, laica ou de médicos, sobre o significado da "doação presumida". Nessa época eu era Coordenador da Central de Transplantes da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (1997 a 2002) e éramos cobrados pela imprensa e pelos transplantadores, para aumentar imediatamente a captação de órgãos. A população leiga cobrava por salvaguardas para que as pessoas não tivessem suas vidas "abreviadas" nos hospitais para obtenção dos órgãos para transplante como se isso fosse realmente acontecer. O resultado foi uma situação quase caótica que culminou com uma corrida da população aos locais de expedição de documentos para inserirem a inscrição "NÃO DOADOR" nas carteiras de identidade e de motorista, movidos pelo pânico gerado pela desinformação.
Na tentativa de minimizar essa situação a orientação dada aos médicos era: continuem a consultar os familiares de possíveis doadores antes de remover órgãos para serem transplantados, pelo menos por um tempo. A conseqüência imediata de toda essa confusão foi uma queda grande na doação de órgãos e consequentemente dos transplantes (dados disponíveis para consulta nos sites da Secretaria de Estado da Saúde de SP e no da ABTO) A longo prazo temíamos que, a continuar o ritmo de aumento de carteiras com a inscrição "não doador", nas próximas décadas não haver mais doadores disponíveis..
Que seja de meu conhecimento, nenhum órgão foi removido, pelo menos em SP, sem que as famílias fossem consultadas de 1998 até 2001 quando finalmente a Lei no. 10.211 de 23 de março que altera o dispositivo da Lei 9.434, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento que em seu artigo 4o. acaba com a doação presumida e no artigo 2o. torna sem validade as manifestações relativas a retirada post mortem constantes das Carteiras de Identidade Civil e Nacional de Habilitação.
Em vista do exposto considerei infeliz a notícia da Folha acima descrita (No Brasil, todo cidadão é doador presumido) pois pode induzir a população a interpretar que a doação presumida foi restabelecida e provocar queda ainda maior na doação denunciada pela Folha.
No mesmo dia escrevi um texto parecido com este ao Ombudsmam da Folha, Mario Magalhães, solicitando que a matéria fosse corrigida e o engano desfeito. Até hoje não recebi resposta nem li matéria publicada para corrigir o engano. Lamentável.


Agenor Spallini Ferraz
Professor Associado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.USP

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