O PROJETO "MAIS MÉDICOS"
José Alberto Mello de
Oliveira
Acompanho
com atenção esse programa do Governo Federal para levar o atendimento médico
primário ao povo mais necessitado do país, geralmente vivendo na periferia das
grandes cidades ou em vilarejos distantes e de difícil acesso. Em linhas
gerais, o programa contrata médicos brasileiros e estrangeiros pagando-lhes R$
10.000,00 (dez mil reais mensais). Há várias peculiaridades nessa contratação:
1) Os médicos estrangeiros estão
dispensados de revalidar o diploma obtido no Exterior, valendo o documento que
trouxerem do seu país de origem. Não obstante, a Medida Provisória,
transformada em Lei, determina que eles devem ser fiscalizados pelos Conselhos
Medicina (CFM e CRM);
2) Esses médicos recebem uma “bolsa” e
não um “salário” para exercer a atividade;
3) A grande maioria dos médicos
estrangeiros é oriunda de Cuba, país com o qual o governo Brasileiro fez um
convênio de terceirização da assistência médica, com intermediação da OPAS
(Organização Panamericana de Saúde). Conforme tem sido noticiado pela imprensa
em geral a OPAS intervém e repassa o pagamento ao governo cubano. No Brasil, o
médico recebe R$ 400,00 (quatrocentos reais), e em Cuba um crédito equivalente
a R$ 600,00 (seiscentos reais), ficando o governo cubano de posse do restante;
A
forma de implantação do programa gerou protestos veementes da classe médica,
através das associações de classe (Associação Médica Brasileira, Associações
Regionais de Medicina, Sindicatos, Federação Nacional de Médicos etc.) e de
grupos isolados de médicos, que chegaram mesmo a hostilizar em público, os
estrangeiros.
Todavia,
a reação mais significativa foi do CFM e dos CRM, recusando o registro dos
médicos estrangeiros e negociando com prudência a forma de atuar nesta nova
situação. A propaganda do Governo Federal e a politização da questão levaram a
classe médica como um todo à execração pública, inclusive os Conselhos e muita
bobagem foi escrita no calor do momento.
Agora,
que a poeira está assentando é possível fazer comentários menos inflamados e
esclarecer a população sobre o papel dos Conselhos:
1) O CFM e os CRM constituem uma
Autarquia Federal e são, portanto, um serviço público e não uma associação de
classe; essa Autarquia foi criada durante o governo Kubitscheck através da Lei
nº 3.268 de 30/09/1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045 de 19/07/1958 (que
aprovou o Regulamento do CFM e CRM a que se refere a Lei nº 3.268 de 30/09/1957). Posteriormente, esses
dispositivos legais foram modificados pela Lei nº 6.838 de 29/10/1980, pela Lei
nº 9784 de 29/01/1999, pela Lei nº 11.000 de 15/12/2004 e pelo Decreto nº 6821
de 14/04/2009, conjunto de leis que regulamentam o Código de Ética Médica e o
ordenamento para a fiscalização do exercício profissional no Brasil;
2) Embora Serviço Público, constituídos
como Autarquia, os Conselhos são mantidos com anuidade paga pelos médicos e não
dependem de dinheiro público do Tesouro;
3) Alguns comentaristas imaginaram que os
Conselhos teriam que intervir para melhorar a formação do médico e orientar os
médicos brasileiros a atender toda a população, em total ignorância sobre os
limites legais da competência dos mesmos.
4) Ao receber o diploma, o registro do
médico nos Conselhos é obrigatório por lei e não uma opção associativa do
profissional, sem o qual ele estará impedido legalmente de exercer a profissão
no território nacional. Uma vez registrado, o médico pode exercer a profissão e
fica sujeito às normas e regras do Código de Ética Médica. Exercer a Medicina
sem registro no Conselho do respectivo Estado, onde trabalha, é exercício
ilegal da Medicina; O CRM é obrigado a registrar o médico, que apresenta
documento de conclusão de curso em Escola Médica reconhecida;
5) Médicos estrangeiros podem exercer
livremente a Medicina no Brasil, desde que tenham revalidado o diploma
estrangeiro; atualmente há o processo “REVALIDA”, que submete os diplomas
estrangeiro à avaliação de competências e habilidades; a seguir registram-se
nos Conselhos e são liberados para o exercício profissional.
6) Além da função cartorial de expedição
do registro, os Conselhos têm a função judicante, fiscalizando o exercício
profissional, investigando as denúncias ou suspeitas de ilícito ético,
promovendo sindicâncias, que podem ou não redundar em processo
ético-profissional (PEP). O PEP tem tramitação semelhante à dos processos nas
áreas cível e penal, podendo culminar, ao fim do mesmo, com a cassação do
direito de exercer a profissão. Ou seja, a função da Autarquia, é a de promover
o exercício da boa medicina e proteger a população dos maus médicos.
7) O CREMESP iniciou um exame anual de
avaliação de egressos das Escolas de Medicina do Estado, o qual tem revelado o
baixo rendimento do aparelho formador e denuncia o risco do critério político e
não técnico da abertura de novos cursos, sem a infraestrutura adequada. Para
auxiliar a atualização dos médicos registrados, o Conselho Regional de Medicina
do Estado de São Paulo oferece gratuitamente os PEMC (Programa de Educação Médica
Continuada) realizados em várias Delegacias Regionais do Estado.
Portanto,
a ruptura súbita desse arcabouço legal, foi causa das manifestações contrárias
do CFM e dos CRM. A Medida Provisória 621/2013, transformou-se na Lei nº 12.871
de 22/10/2013, que institui o projeto “Mais Médicos” dentre outras finalidades.
É uma lei de aplicação e regulamentação complexas, como uma grande carta de
boas intenções. Além de liberar a entrada de médicos estrangeiros sem o
REVALIDA, para atender o déficit imediato de médicos no atendimento primário,
também altera o arcabouço legal da formação médica, facilitando a criação de
novas faculdades e ampliando programas de residência médica, definindo
objetivos muito além da capacidade de absorção da infraestrutura existente e de
material humano docente capaz de atingi-los nos prazos estabelecidos. Não creio
que os programas atuais de pós-graduação na área médica sejam capazes de
fornecer docentes e pesquisadores para fazer-lhes face. Sem discutir o déficit
escabroso, em número e qualidade, das nossas instalações hospitalares, das
unidades básicas de saúde e das unidades de pronto-atendimento.
Na
aplicação da lei o Governo Federal começou pelo atendimento primário através do
“Projeto Mais Médicos”, que credencia médicos estrangeiros, sem revalidação do
diploma, com retribuição pecuniária sob a forma de bolsa. A Constituição
Brasileira diz que a saúde é um direito do Cidadão e dever do Estado. O SUS
prevê que o dever do Estado faz-se através desse atendimento desde a consulta inicial
(atendimento primário) na Unidade Básica de Saúde (UBS) – antigo Posto de Saúde
– até o atendimento terciário em hospitais de alta complexidade.
Os
porta-vozes do Governo avançam contra os médicos pela resistência em atender
esses empregos. Ninguém em sã consciência pode ser contrário ao objetivo de
levar o atendimento médico a todos os brasileiros em todos os rincões da
Pátria. Mas, a questão não pode ser tratada de forma simplista, nem com desdém.
Já houve governador de estado, que considerou “médicos são como o sal de
cozinha, branquinhos, baratos e são encontrados em qualquer esquina”. A atração
dos médicos para o atendimento primário envolve muito mais do que a simples
presença física na UBS e a questão salarial. Muitos “pacientes” irritam-se a ponto
de chegar ao limite da agressão física, cansados de esperar consultas, que
deveriam se estender por tempo ilimitado, mas são geralmente rápidas e pouco
resolutivas. Quem já atendeu sozinho um ambulatório cheio de pacientes ansiosos
pela moléstia que os aflige, que explodem quando precisam de internação, mas
não há vagas hospitalares, certamente hesitará em se expor, se puder encontrar
outro caminho.
Já foi sugerida a criação da Carreira de Estado para o
médico do Serviço Público, com o que ele pode ser designado para qualquer local
com a perspectiva de um horizonte de carreira. A hora não é de disputa
político-ideológica. É hora de organizar-se a Sociedade como um todo,
identificar as causas e procurar caminhos, que levem a soluções definitivas.
Culpar uma classe e improvisar soluções não leva a lugar nenhum.
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JOSÉ ALBERTO MELLO DE OLIVEIRA é
Delegado Superintendente Adjunto da Delegacia de Ribeirão Preto do Cremesp e
Professor de Patologia (aposentado) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo e da Universidade de Ribeirão Preto.
2 comentários:
Parabéns Prof. Dr. José Alberto, pelo belo texto que vem acrescentar mais algumas ideias sobre esse programa” milagroso” do governo para resolver o problema de saúde da população brasileira.
Gostaria de tentar enriquecer ainda mais esse tema tão polêmico e que tanto mexeu com os brios da nossa classe médica.
1º.Tento imaginar, como deveria ser a formação de um médico, sozinho, em uma pequena cidade do interior do nosso país.
Sem dúvida deveria ser um ótimo clinico geral em condições de fazer até pequenas intervenções, talvez um parto não complicado ou mesmo uma redução de fratura simples de braço ou perna, como fizeram meu pai, um dos pioneiros de Maringá nos idos de 1950 e tantos outros de sua geração.
Será que todos esses médicos cubanos são capazes de tal tarefa?
Naquela época o médico era um semideus e tudo que viesse a dar errado é porque Deus assim o quis e o médico era poupado.
Hoje os tempos mudaram e o que tentam fazer com a medicina, com cumplicidade do governo, como você bem disse, é jogar a população contra a classe, numa verdadeira execração popular.
Sem dúvida, não adianta um Médico, se a cidade possui instalações inadequadas e sem material humano que dê suporte ao seu trabalho (enfermeiras e atendentes de enfermagens capacitadas) e ainda sem remédios em variedade e quantidade para atender a demanda de todos esses pacientes que pelo visto estão há tempos sem atendimento médico.
E se o colega cubano precisar de um exame de sangue, fezes ou urina, haverá laboratório com material e com gente capacitada? E se o paciente precisar de um RX para confirmar uma pneumonia ou uma pequena fratura de braço, um ultrassom para excluir um abdome agudo, haverá um técnico e um médico radiologista com equipamentos de qualidade?
2º.Será que numa ilha, com 26 faculdades de medicina 15% maior que o estado de Santa Catarina com11 faculdades, tem tanta gente bem formada para exportar?
Será que houve preocupação em bem formá-los já que eles seriam para exportação?
Creio que eles são médicos excedentes da ilha, pois como seria possível privar um pequeno pais de 10.000 médicos de uma só vez?
3º. Onde será que os professores deles se especializaram ou fizeram doutorado, seus laboratórios de matérias básicas, fisiologia, bioquímica, farmacologia, parasitologia, imunologia, genética, histologia como são equipados, que pesquisas eles desenvolvem?
Seus professores de clinicas trocam experiências com colegas do exterior? Pelo que sabemos da economia de Cuba tenho minhas dúvidas quanto a qualidade do ensino de lá.
4º. E essa história de virem sem família, creio que a maioria não é recém formada e portanto devem ter família com mulher e filhos.
Como pode alguém largar sua família e ficar mais de 1 ano fora trabalhando, vivendo de caridade da população, fazendo da medicina um verdadeiro sacerdócio; tendo roupa lavada, comida e pouso, pagos pelo município, e recebendo alguns trocados para sua necessidades e confortos básicos e o resto do dinheiro indo para o governo cubano ?
Numa sociedade consumista como a nossa vai ser difícil para o doutor ver gente intelectualmente menos preparada com poder aquisitivo bem maior que o dele.
Na verdade ou são escravos ou na melhor das hipóteses são sacerdotes da medicina o que seria lindo, mas incompatível com o mundo de hoje
5º.Será que constituirão outra família por aqui? Voltarão a Cuba se ela se abrir para o mundo?
Gabriel J. Leite
Gabriel Junqueira Leite
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