29 abril 2011

O "TROTE" VIOLENTO: TRISTE HERANÇA DE SADISMO "MEDIEVAL"

O “ TROTE” VIOLENTO: TRISTE HERANÇA DE SADISMO "MEDIEVAL"
Isac Jorge Filho


É um espetáculo deprimente que se repete a cada vez que são divulgados os resultados dos vestibulares pra Medicina. Futuros médicos assumem papéis lamentáveis e recebem seus novos colegas com calorosas manifestações...de selvageria.


O que devia ser momento de alegria pela recepção dos novos colegas se transforma em manifestação bestial de desamor ao próximo. As notícias resultantes dessa “recepção” frequentemente são trágicas: é o calouro que morreu afogado, é o outro que ficou cego, é o que sofreu trauma craniano, é o que teve queimaduras pelo corpo... é um circo de horrores perpetrados pelos que deviam ser a elite cultural do país. E estamos falando de jovens que tiveram o privilégio de ser universitários em meio a analfabetos e semi-alfabetizados. Que fazem parte daqueles que receberam mais, em um país onde a regra é receber menos.


A origem do termo tem interessante simbolismo. Classicamente o trote se refere a certa forma de movimentação de cavalos, situada entre o passo e o galope. É processo que deve ser ensinado, muitas vezes por meio de chicote e espora. Lamentavelmente é dessa maneira que o calouro é encarado, em muitas universidades, pelo veterano. A título de “confraternização”, ele deve ser “domesticado” por meio de práticas humilhantes e vexatórias, geralmente estimulado por grandes quantidades de bebidas alcoólicas que é obrigado a ingerir, para que simbolicamente “aprenda a trotar”.


Não é assim que deve começar a formação de um médico. Temos proposto uma campanha nacional pela recepção civilizada e social ao novo universitário, que já diferencie aqueles que alguns anos depois vão jurar exercer Medicina ética, com zelo e respeito pelos pacientes e pelos colegas. Pouca gente se preocupa com esta proposta. Continuam vendo, passivamente, futuros médicos embriagados participando, forçados ou não, da celebração das diferenças sociais, já que uma das atividades “clássicas” do trote é pedir moedas em esquinas, ocupando o lugar dos infelizes que, lamentavelmente, vivem dessas esmolas. E calouros e veteranos gargalham alcoolizados ante essa extrema falta de sensibilidade diante da pobreza. Algum tempo depois vão repetir o Juramento de Hipócrates, automaticamente. Sempre esperamos que os seis anos de curso e o contato com pobres e doentes tenha tirado deles o sadismo demonstrado nas manifestações do trote.


Questionadas, algumas diretorias de faculdades tem respondido argumentando que o trote está proibido dentro de seus “campi”. É pouco. É o mesmo que admitir que, depois de formado, o médico possa cometer barbaridades, desde que não seja no hospital, ambulatório ou consultório.


Felizmente é cada vez maior o número de calouros e veteranos que se coloca contra essa barbárie, vinda de costumes medievais. Também cresce o número de familares que deixa de entender essas manifestações como "coisas normais da juventude". Não é não: a juventude é generosa e sensível e esse costume bárbaro não faz parte do espírito de jovens que pretendem ser médicos em um país com tantos doentes.


É fundamental que a categoria médica reconquiste o respeito da população. É bom “começar do começo”. Não se pode esquecer que o calouro é o futuro médico e o trote selvagem não é maneira correta de iniciar o preparo para uma profissão que lida com vida, saúde e ética.

20 abril 2011

INDÚSTRIA BÉLICA: O MAIOR E MAIS SUJO NEGÓCIO DO MUNDO

INDÚSTRIA BÉLICA: O MAIOR E MAIS SUJO NEGÓCIO DO MUNDO
Isac Jorge Filho

Fui estudante universitário, na USP-Ribeirão, em tempos de profunda politização do movimento estudantil. Como conseqüência vários colegas foram presos ou precisaram deixar Ribeirão ou, até mesmo, o País. Falávamos de um Brasil mais justo e humano, que não tivesse atrelado aos interesses dos poderosos, fossem brasileiros ou estrangeiros. Elegíamos como algoz maior uma coisa chamada “complexo industrial militar”, que ditava os rumos do mundo em função de seus interesses comerciais, disfarçados como “luta pela democracia” ou “luta anti-comunista” geralmente ficando atrás das cortinas e agindo por meio de terceiros que realmente acreditavam nessa corrente ou que eram testas de ferro contratados. Entendíamos que as sedes desse complexo estavam espalhada pelo mundo, com a unidade central nos Estados Unidos. O golpe militar de 1964 varreu essa juventude universitária politicamente esclarecida. Todos conhecem muito bem a história daquela época.
Leio agora, quase meio século depois, que o gasto militar tem crescido, chegando, em 2008, ao quase inacreditável total de US$ 1,46 trilhão, que correspondem a R$ 2,85 trilhões. O dado é do Instituto Internacional de Estudos para a Paz (Sipri) sediado em Estocolmo, Suécia. Quero me aprofundar na análise desses dados.
O convívio, no mundo “globalizado” tem nos tornado insensíveis ao que representam os grandes números. Um telespectador se horroriza, com razão, diante de um crime cometido na rua, mas não presta muita atenção à notícia de um bombardeio que matou 80 pessoas, inclusive crianças, na Líbia, Iraque, Afeganistão, Kosovo e tantos outros países...afinal é tão longe! Essa “anestesia” de sensibilidade é produto da chamada globalização, como também o é não se indignar ao saber que o gasto com armamentos é mais que 190 vezes maior que o que se gasta para combater a fome, promover o desenvolvimento agrícola e melhorar, e forma paliativa, a situação nutricional das populações de países pobres que lutam contra a dificuldade de obter alimentos seja pela baixa produção, seja pelo alto preço. São dados da FAO, divulgados a partir da Conferencia de Alto Nível sobre Segurança Alimentar realizada em Roma. É indispensável que cada um pare e pense um pouco: o mundo gasta para matar mais que 190 vezes o que gasta para aliviar a fome da população mais pobre do planeta.
Volto a lembrar do “complexo industrial militar”. Estávamos certos, é ele mesmo o grande vilão. E continua agindo por meio de terceiros, nos últimos tempos incluindo a OTAN e a própria ONU. Derrubam governos, elegem ou impõem governos, que, muitas vezes, acabam sendo nada mais que executivos de luxo de um interesse maior, que é absolutamente comercial. Afinal, eles tem o melhor negócio do mundo: fabricam e vendem armas que, em última análise, são pagos com o dinheiro do povo para o qual essas armas levaram morte e destruição. Ou alguém ainda acredita em “ajuda” militar?
O Iraque sairá, um dia, do domínio a que está submetido a partir de uma guerra baseada em mentiras, hoje admitidas até pelos seus executores. Mas talvez não saia nunca mais do lodaçal econômico em que se envolveu, já que terá que pagar dólar por dólar, euro por euro, libra por libra, cada bomba que foi jogada sobre sua população. Ou será que ainda pensam que esses gastos ficarão por conta dos Estados Unidos ou da Inglaterra? Ou ainda, ingenuamente, que a indústria bélica vai pagar a conta?
Agora é a vez da Líbia. De repente descobriram que Kadhafi (ou Gadhafi ou seja lá o que for) é um ditador sanguinário. Parece que ele sempre foi, mas não haviam desconfiado disso enquanto forneciam armas para seu exército (fornecer, aqui, significa vender mesmo). A OTAN passa a despejar bombas na Líbia. Alguém vai pagar por elas. Não será a indústria bélica. Os rebeldes estão pedindo armas. Certamente pagarão por elas e se vencerem comprarão mais (e isto aparecerá como “ajuda”). Se Kadhafi vencer comprará mais armas. Se ficar muito feio comprar oficialmente ele o fará “no paralelo”, mas o dinheiro irá para o mesmo lugar.
A filosofia do complexo industrial militar é claramente traduzida na idéia “fantástica” da “bomba limpa”. E o que vem a ser isso? Nada mais, nada menos que uma bomba que mata pessoas, mas não destrói casas, propriedades e objetos. Pronto, está aí a definição de objetivos dos que comandam o mundo: as propriedades e os bens materiais valem muito mais que as pessoas, que a vida.
Lamentavelmente o poder no mundo decorre do dinheiro. O dinheiro vem principalmente dos negócios e não há melhor negócio no mundo do que produzir e vender armas. Pena que o preço maior não é pago em dinheiro, mas em vidas e desgraças. Até quando?
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