Sérgio Roxo da Fonseca**
Devoto pública admiração ao Rabino Henry Sobel. Devoção que ganhou nova grandeza com o episódio da subtração das gravatas. Não por causa da subtração em si, mas pela sua pública confissão. Transgredir todos nós transgredimos. Poucos são aqueles que têm a grandeza de reconhecer a sua própria fragilidade.
Nós homens criamos pautas de conduta que, se obedecidas por todos, seria possível conquistar a paz individual e social. Trata-se, como se vê, mais de uma questão de fé do que de ciência. Trata-se de uma crença que vem comendo o fígado de Prometeu e alimentando os desvarios do D. Quixote.
Dois filmes trataram do assunto. Um francês e outro americano. O francês foi criação de André Cayatte, que recebeu o nome de “Somos todos assassinos”. O outro, tirado de um romance de Capote, foi denominado “A sangue frio”. Os dois filmes sustentam o seguinte: ao aplicar a pena de morte as autoridades públicas assassinam a sangue frio, ao contrário dos criminosos que quase sempre matam a sangue quente.
O grande Ministro Nelson Hungria, que engrandeceu o Supremo Tribunal Federal, dizia que até mesmo ele e seus colegas cometiam transgressões, pequenas, decerto, mas transgressões, como, por exemplo, levar canetas do Tribunal para casa. O exemplo é dele.
Quase todos nós, por culpa ou desculpa, já fomos multados por excesso de velocidade. Corremos gravíssimo risco de matar ou aleijar nossos parentes e não parentes. Arrogantemente, confessamos o nosso desatino, quase sempre, para reclamar das autoridades que, pela multa, reclamam da nossa falta de juízo. A moral não condena o mau motorista tal como condena o crime contra o patrimônio..
No nosso sistema jurídico e moral é muito mais grave furtar gravatas e cometer delitos sexuais do que matar pessoas como resultado da nossa misteriosa e incontida compulsão em violar regras de trânsito.
O desembargador Celso Limongi, em aula magna professada recentemente em Ribeirão Preto, narrou-nos um caso exemplar. Na rodoviária de Franca, um rapaz tocou o seio de uma moça num gesto semelhante ao recentemente cometido pelo futuro rei da Inglaterra. A moça pediu socorroe o rapaz foi preso em flagrante. Bem feito. Nos autos apurou-se que ela era menor de 14 anos e ele, casado: crime hediondo. Pena a ser aplicada: onze anos e meses, quase doze.
Ou em grau de apelação ou de habeas corpus, o caso foi apreciado pelo Tribunal de Justiça que manteve a pena por nove votos a um. O voto isolado foi o do Desembargador Celso Limongi, hoje Presidente do Tribunal.
A condenação foi lastreada na lei? Sim. A condenação foi justa? Não. É possível ocorrer condenações legais e injustas? Sim, muitas. Como resolver? O juiz não é o operador da lei, mas, sim, do direito. O direito é um domínio muito mais amplo do que o da lei que é a principal província dele. O juiz pode corrigir a lei no caso concreto, calibrando-a segundo as regras do direito. Assim determina o mais moderno conhecimento da ciência jurídica.
No passado remoto, um outro rabino, o Mestre da Galiléia, na iminência de ver uma prostituta lapidada pelos puritanos, convidou o mais puro deles para lançar a primeira pedra. O registro histórico afirma que todos lançaram ao chão as pedras que já tinham nas mãos e foram talvez caçar sapo com bodoque, esporte para o qual não se reclama nem juízos éticos e muito menos jurídicos.
**Professor das Faculdades de Direito COC-Ribeirão Preto e UNESP-Franca. E-mail: roxodafonseca@convex.com.br
01 maio 2007
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