ISAC JORGE FILHO *
Recentemente a mídia divulgou um dos fatos mais tristes e
desalentadores dos últimos tempos. Passou quase desapercebido e, por isso
mesmo, é preciso que se grite a indignação que toma conta de todos os que leram
com atenção ou ouviram com ouvidos de quem quer ouvir, entender e se
manifestar, e que se analise as causas e as conseqüências desse violento crime
cometido contra a sociedade, a ética e a eqüidade neste País.
Quando jovens se prostituem, o sentimento de
tristeza é imenso. Quando esses jovens estão entre os melhores alunos de
universidades brasileiras e, portanto, representam a esperança maior de um
Brasil mais justo e honesto, a sensação é de que se chegou ao fundo do poço.
Afinal é na juventude, e especialmente na Universidade, que se concentram os
mais ricos sentimentos de idealismo e de justiça.
A Polícia Federal, em operação chamada “vaga certa”,
prendeu sete pessoas suspeitas de vender vagas em universidades públicas e
privadas em pelo menos cinco estados brasileiros (Ceará, Rio de Janeiro, São
Paulo, Minas Gerais e Paraná) ao preço que variava de 25 a 70 mil reais. Até aí
não é novidade. Já sabíamos, e lamentávamos, da existência de compra de
questões de provas e de resultados finais. A novidade é que o processo, agora descoberto, era realizado, há alguns
anos, com a participação de “pilotos”: universitários
qualificados entre os melhores alunos, que recebiam de 5 a 6 mil reais para
fazer provas em nome de outros, usando carteiras de identificadas
falsificadas. O pagamento (ou cachê?) variava de acordo com o conceito e
importância da Faculdade
A participação de jovens
vendendo seu conhecimento para fazer vestibular em nome de outros foi o fato
mais marcante da operação “vaga certa”.
Era de se esperar uma reação enorme
por parte da mídia e da sociedade com a revelação de fato tão grave. Não houve.
Parece que as pessoas estão anestesiadas e que os conceitos de ética, moral e
justiça se tornaram absolutamente abstratos, ou modificando um pouco o que
lamentou certa vez o saudoso Mário Covas: “Vivemos um tempo em que ser ético é
sinônimo de ser ingênuo”. É tempo dos “espertos”. A lei de Gerson já foi
superada pela lei de Zéca Pagodinho que, publicamente se dirigiu ao Ministro
Temporão, que fizera um apelo no sentido de que artistas não se prestassem a
vender sua imagem para estimular o uso de bebidas alcoólicas, e respondeu
grosseiramente, dentro de sua “ética” particular, que o Ministro cuidasse das
máquinas estragadas das unidades de saúde e o deixasse ganhar seu dinheirinho.
É isso aí. E ainda tem quem ache que Ética é coisa só para Médicos.
Deixando a gravíssima transgressão ética vale
analisar algumas conseqüências do vestibular feito pelas “cabeças de aluguel”.
Quem pode pagar o preço cobrado pela vaga certa? Não estaria havendo com isso
maior distorção social nas oportunidades para cursos universitários? Há quanto
tempo isso ocorre? Quantos profissionais estão exercendo suas atividades sem
sequer terem prestado exames para ingresso nas faculdades? Não é realmente
necessária uma avaliação externa do produto de nossas faculdades antes que
iniciem o exercício profissional? Alguém vai dizer que ao longo do curso essas
pessoas passarão por provas e, se não forem capazes, não terminarão sairão das
faculdades. Seria assim se as universidades reprovassem com o rigor necessário.
Como regra, poucas vezes isso parece acontecer e, quando ocorre, entra em ação
uma nova figura na formação universitária: o reprovado entra na justiça para
anular sua reprovação e freqüentemente consegue. O pior, geralmente são os pais
que entram com os recursos contra a reprovação do “filhinho injustiçado”. Tudo
isso sem contar a secular figura da “cola” que leva a aprovação de muitos
incapazes.
Já é antiga uma piada que falava de
uma faculdade na qual era tão fácil ingressar que acabava aprovando também o
motorista do ônibus que levava os candidatos. Hoje não é mais piada, não é o
motorista do ônibus e não são só as faculdades fáceis. Com o uso das “cabeças
de aluguel”, verdadeiros semi-analfabetos , portadores de certificado de
conclusão do secundário, podem ingressar faculdades e, com recursos desonestos
ou mandados de segurança, podem terminar seus cursos.
Quem perde?
Os alunos capacitados perdem suas vagas e a
comunidade perde bons profissionais. Mas, quem mais perde é o País que, com a
revelação das prostituídas “cabeças de aluguel”, vê a Ética e a Esperança
caminharem para o fundo do poço.
Que Deus nos proteja!
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* Médico, Doutor em Cirurgia e Ex-Coordenador
da Comissão de Pesquisa e Ensino Médico do Conselho Regional de Medicina do
Estado de São Paulo.
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